domingo, 18 de outubro de 2009

Resposta do prof. João Grandino Rodas

Respostas do prof. João Grandino Rodas às perguntas dos signatários do manifesto A USP precisa mudar

1. Compromete-se, nos primeiros 90 dias de seu mandato, a dar início a uma ampla discussão para modificar a forma de escolha do Reitor, o que deve ser completado no seu primeiro ano de gestão? Qual é sua opinião em relação ao atual segundo turno? Concorda que a indicação do Reitor deva ter uma participação mais ampla da comunidade, mas com a meta de acentuar e não de reduzir os critérios de qualidade?

No plano de gestão veiculado no Informe nº 2 do COMPROMISSO USP, datado de 05/10/2009, título II – “Programas/Metas da Reitoria”, B) “Temas já estabelecidos;ações a serem definidas por meio de amplo diálogo, seguindo-se imediata implementação”, consta: “Estrutura de poder/eleições – tema a ser discutido no prazo de um ano. A Comissão de Reforma Estatutária levantou e disponibilizou na web todas as opiniões exaradas no seio da Universidade nos últimos anos. Dar-se-á prazo para que todas as unidades da USP e quaisquer grupos que desejarem enviem sugestões com o objetivo de possibilitar a discussão do assunto e a respectiva alteração do Estatuto”.

Nos diversos debates em que participei, comprometi-me, em nome do grupo COMPROMISSO USP, a no dia seguinte da minha eventual posse, começar a discutir e preparar uma proposta para a escolha do Reitor. Já externei várias vezes minha disposição de lutar por um colegiado mais representativo,ao menos atendendo ao estabelecido na LDB, e suprimindo o segundo turno ou alterando-o, radicalmente.

2. Assume o compromisso de desburocratizar radicalmente a USP, eliminando tramitações que demoram às vezes anos para se chegar a uma decisão? Promete dar os passos necessários para essa mudança - que deve afetar todos os colegiados, desde os Conselhos Departamentais até o Conselho Universitário - nos seis primeiros meses de mandato?

Lê-se no plano de gestão, informe nº 2:

“Discussão prioritária das diretrizes gerais por parte dos órgãos colegiados.Os colegiados não devem ter suas pautas de discussão restritas ou dominadas por assuntos administrativos rotineiros, em detrimento da discussão de temas fulcrais para o desenvolvimento da Universidade. Por outro lado, decisões que afetam toda a estrutura universitárias (como a metodologia do vestibular, por exemplo), precisam ser discutidos no Conselho Universitário, não podendo ser divididos finalmente em colegiados específicos” (p.3).

“Coordenadoria Jurídica. Criação da Coordenadoria Jurídica com competência para definir, conjuntamente com os demais gestores, a política jurídica da Universidade. Dessa maneira, a USP poderia equacionar “gargalos” práticos (como, exemplificativamente, definir parâmetros de licitação que se afastem do simplismo do clássico padrão do “melhor preço”); bem como ser o motor do processo de implementação do artigo 207 da Constitucional Federal em leis, federais ou estaduais, que possibilitem a aplicação do princípio da autonomia universitária na prática diária. A Consultoria Jurídica manterá sua importância, com o encargo de colocar em prática as atividades jurídicas da Universidade” (p.4).

As ações acima, iniciadas imediatamente, melhora sensivelmente a tramitação, para que as decisões possam ser tempestivas.

3. Reconhece que se deve descentralizar a gestão da Universidade, fortalecendo assim as iniciativas das unidades e dos grupos docentes, acabando com a subordinação do mérito ao rito? De que maneira vai efetivar a desconcentração de poder, se assumir esse compromisso?

A USP, cuja história começou há 182 e não há meros 75 anos, compreende 40 unidades, mais de 100.000 pessoas e oito campi. Tais números, aliados à sua tradicional burocracia interna, demandam soluções, não meramente paliativas, como a colocação on-line dos processos internos, somente efetiva como complemento de um processo de desconcentração e de racionalização.

A desconcentração não pode ser aleatória, devendo seguir as linhas das competências. Nada mais natural que cada órgão passe a exercitar as competências que justificam a sua existência. As unidades, estruturas dotadas de poderes específicos e não meras subdivisões administrativas, são encarregadas do cumprimento do objetivo-fim da universidade, qual seja o ensino, a pesquisa e a extensão. Já a Reitoria, nela compreendidos, as Pró-Reitorias, as Coordenadorias e outros órgãos centrais, constitui-se em meio para o consecução do objetivo-fim. Cabe a ela estimular a fixação de regras básicas, acadêmicas (de graduação, de pós-graduação, de pesquisa e de extensão) e administrativas, que dão identidade à universidade; bem como supervisionar o seu exato cumprimento. Além disso, incumbe ao Reitor, no exercício de suas competências de autarquia, abrir portas tendentes, entre outras, a: busca de complementação orçamentária; ações de institucionalização de parceria em pesquisa com outras universidades, nacionais e estrangeiras; assessorar as unidades para que elas se engajem em ações conducentes à internacionalização. O lema básico deve ser: supervisão centralizada e ações descentralizadas!

Os órgãos colegiados, por seu turno, não devem ter suas pautas de discussão restritas ou dominadas por assuntos administrativos rotineiros, em detrimento da discussão de temas fulcrais para o desenvolvimento da Universidade.

Urge que a Universidade tome decisões de políticas jurídico-administrativas, com a respectiva assunção de responsabilidades, antes da fase de execução por parte da Consultoria Jurídica. Tal deve ser feito por uma Coordenadoria Jurídica com competência para definir conjuntamente com os demais gestores, a política jurídica da Universidade. Dessa maneira, a USP poderia equacionar “gargalos” práticos (como definir parâmetros de licitação que se afastem do simplismo do clássico padrão do “melhor preço”); bem como ser o motor do processo de implementação do artigo 207 da Constitucional Federal em leis, federais ou estaduais, que possibilitem a aplicação do princípio da autonomia universitária na prática diária. Essa racionalização teria um impacto em setores cruciais, como licitações, acompanhamento de obras licitadas, contratos e gerenciamento de pessoal, que hoje embaraçam a gestão em todos os níveis.

4. Como pretende evitar as tendências da USP à desagregação, que fazem por exemplo os grupos mais bem avaliados se afastarem do dia a dia da Universidade, seja porque não são devidamente valorizados, seja porque não necessitam da instituição?

As pessoas ou os grupos são atraídos por uma comunidade na medida em que vislumbram vantagens de estar inseridos na mesma. Essas vantagens podem ser tangíveis e intangíveis. As vantagens intangíveis da USP são enormes, a começar pela seu próprio nome, bem como com o ambiente propício para intercâmbios e discussões acadêmicas. Mas as vantagens tangíveis, muitas vezes, se tornam obstáculos, dificultando a interação com a Universidade. Cabe à Reitoria, além de incentivar e estimular os grupos academicamente produtivos, apoiá-los no preenchimento das necessidades básicas de infraestrutura e administrativas, além de reduzir ao mínimo possível os entraves burocráticos. A avaliação deve ser continua e ter conseqüência positiva para os bem avaliados.

5. Como lidará com os grupos menos bem avaliados, de forma que eles atinjam o que almejamos seja um padrão USP de qualidade?

Os grupos da USP menos bem avaliados ou são incipientes e por isso necessitam de um apoio maior para o seu desenvolvimento ou estão enfrentando problemas específicos, que devem ser diagnosticados e solucionados. A Reitoria não deve estabelecer as ações de apoio, transferindo às Unidades sua implementação, de vez que elas são capazes de melhor avaliar as situações específicas.

6. O que pensa dos problemas que chamamos, no Manifesto, de “déficits” sociais? Dentre eles, quais serão as suas prioridades? Como pretende – se pretende – trabalhar cada um deles:

6. 1. a violência, com suas múltiplas raízes;

6.2. a desigualdade em todas as suas dimensões, especialmente a social;

6.3. a crescente poluição;

6.4. o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade;

6.5. o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural;

6.6. a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social.
6.7. e, como maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, a educação em todos os níveis.

Os tópicos dos documentos do COMPROMISSO USP, comprovam seu interesse em equacionar os problemas acima:

  • “Por vocação, a USP vem sendo uma universidade de pesquisa, além de foro de discussão de temas fundamentais da sociedade paulista e brasileira. Tal desiderato deve ser perseguido por diálogo amplo, sistemático, transparente e responsável.” (Informe nº 1, p. 3)

  • “Diálogo amplo, permanente, sistemático, transparente, democrático e responsável. O último adjetivo implica na fixação prévia e clara: 1) do objeto a ser discutido; 2) dos interlocutores e 3) do prazo aproximado de duração. (Informe nº 2, p. 1)”

  • “Participação da USP na elaboração de políticas públicas – ação fundamental e razão de existência de uma instituição mantida pela sociedade.” (Informe nº 1, p. 4)

  • “Ensino também como formação do aluno como cidadão. O ensino de excelência não deve se restringir à formação profissional do aluno, mas deve contribuir para forjar a sua cidadania. O egresso da USP deve ser cidadão(ã), crítico(a), consciente de seus direitos e obrigações na sociedade e preparado(a) para contribuir para o desenvolvimento social, econômico e cultural. A consciência crítica deve ser adquirida paralelamente à formação profissional.” (Informe nº 2, p. 2)

  • Contribuição para a sociedade: participação na elaboração de políticas públicas. O compromisso basilar com o processo de desenvolvimento social e econômico do País., constante do Decreto que criou a USP, deve ser cumprido. O resgate dessa missão original, implica na revalorização do papel das Unidades, em que se concentra o capital humano dos saberes específicos. (Informe nº 2, p. 2)

  • “Sustentabilidade. Sendo a sustentabilidade a garantia da sobrevivência das gerações futuras e mantendo a USP grande número de pesquisas - várias com caráter multidisciplinar - tem ela o dever de praticar a sustentabilidade nas suas atividades e de funcionar como pólo irradiador.” (Informe nº 2, p. 2)

No plano de gestão Informe nº 2, título II – “Programas/Metas da Reitoria”, B) ”Temas já estabelecidos;ações a serem definidas por meio de amplo diálogo, seguindo-se imediata implementação”, consta:

  • “Vestibular/inclusão social – tema a ser discutido no prazo de seis meses

Amplo debate sobre o exame de ingresso na Universidade, incluindo a questão da inclusão social.” (Informe nº 2, p. 4)

  • “Revisão dos planos diretores dos campi da Universidade – tema a ser discutido no prazo de um ano

Desde a elaboração dos planos diretores dos campi, ocorreram importantes modificações dentro e no entorno dos mesmos, exigindo uma revisão.” (Informe nº 2, p. 4)

  • “Definição de política equânime de permanência de alunos(as) na Universidade – tema a ser discutido no prazo de um ano

Discussão ampla sobre medidas que facilitem a permanência estudantil e reduzam a evasão.” (Informe nº 2, p. 4)

7. Como aproveitará, se for escolhido Reitor, as oportunidades que hoje se colocam diante de nós e que mencionamos no Manifesto – em especial, a possibilidade de sermos a primeira potência ambiental do planeta? E também as oportunidades que se colocam na biotecnologia, nanotecnologia, geração sustentável de energia, uso da água? E as potencialidades que decorrem de nossa diversidade cultural, para que repercuta em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras?

Responsável por fração substancial da produção científica nacional, a USP possui quadro de pesquisadores e parque científico de amplo espectro, impar nas universidades brasileiras. A consolidação de grupos temáticos que atuam na fronteira do conhecimento, muito bem avaliados nacional e internacionalmente, fez com que suas atividades de pesquisa atingissem a excelência.

Nos últimos anos, a interlocução com as agências de fomento à pesquisa no País concentrou-se na relação agência-pesquisador, induzindo uma pulverização dos financiamentos e o conseqüente enfraquecimento das ações institucionais. Para contrabalançar, surgiram programas complementares de maior abrangência, como o PRONEX, os CEPIDs, os Institutos do Milênio e os INCTs. O sucesso desses programas externos à Universidade contribuiu para manter a Reitoria da USP afastada da gestão mais efetiva da política científica das Unidades.

A Reitoria deve participar de processo catalisador que, pela qualidade, eficiência e relevância, ofereça contribuição significativa para o desenvolvimento do País. Para aproveitar a competência científica do corpo docente, racionalizar a infraestrutura e estimular o estabelecimento de linhas modernas de atividade, além de apoiar programas verticalizados, central deve incentivar um novo recorte matricial das pesquisas, apoiando programas inter ou multidisciplinares, como, por exemplo, as “redes de pesquisas” dominantemente compostas por pesquisadores e laboratórios da USP. O Conselho de Pesquisa deve priorizar debates acadêmicos para a prospecção de idéias e projetos. Fazer mais e melhor do mesmo é pouco para uma Universidade do calibre da USP. A modernidade exige o desenvolvimento de programas multidisciplinares que extrapolem as grandes áreas tradicionais das humanidades e das ciências. Projetos que, por exemplo, envolvam liguística-computação, artes-arquitetura-eletrônica-computação ou física-química-computação-biologia, que poderiam ser incentivados por meio das redes de pesquisa fariam grande diferença.

É importante estimular projetos de caráter triangular, envolvendo pesquisa, ensino e extensão. Programas de divulgação junto à sociedade, contribuindo para erradicar a desinformação e difundir cultura científica, que já eram objetivados pelos fundadores da USP, devem ser enormemente incentivados.

Pesquisas básicas são fundamentais para a manutenção tanto de uma cultura científica, quanto da qualidade do ensino. O sucesso de outras iniciativas depende da manutenção e do aprimoramento do nível qualitativo das pesquisas básicas, transformando a USP em Universidade de Pesquisa melhor e mais eclética.

Embora as relações entre pesquisadores individuais da USP e as agências de fomento devam ser mantidas, a participação da própria instituição é imprescindível no incentivo das políticas públicas, consistentes com as estratégias estabelecidas, pela instalação de redes ou pelos projetos institucionais de infraestrutura, para que os recursos orçamentários seriam prioritários. Já uma Universidade de Pesquisa, de ponta, atuante e com excelência, não pode ser construída na base de verbas orçamentárias. Assim, estratégias agressiva na busca de recursos e parcerias deveria ser posta em prática.

8. Como pensa renovar a educação de graduação num mundo em que o conhecimento é cada vez mais interdisciplinar?

Os cursos de graduação da USP, ao longo de sua história, vem contribuindo de maneira notável para a formação de profissionais, professores e cidadãos de cultura nas várias áreas do conhecimento, por articularem a pesquisa, o ensino e a extensão de serviços à comunidade, com base no mérito e na qualidade. Nos últimos dez anos, sem aumento significativo do corpo docente, a USP respondeu às enormes demandas educacionais do país com aumento de 50% do número de vagas nos cursos de graduação. É necessário todo o esforço possível para manter a excelência.

Muitas profissões tradicionais se diluíram no mundo do trabalho radicalmente diferente. Com rapidez cada vez maior os conhecimentos adquiridos em cursos profissionais se tornam obsoletos e necessitam atualização. O ensino e a pesquisa nas áreas profissionais tem evoluído velozmente, chocando-se por vezes com legislação ultrapassada. A criatividade o espírito empreeendedor tornaram-se atributos essenciais.

As grandes transformações do mundo contemporâneo tem se refletido vagarosamente nas nossas políticas educacionais. Urge papel proativo da Pró-Reitoria de Graduação, estimulando reformas que acompanhem as mudanças que vem ocorrendo. As ações específicas devem tender: à simplificação de currículos, valorizando conteúdos básicos e elementos multidisciplinares; envolver os estudantes de graduação em atividades de pesquisa, pois o treinamento científico facilita a adaptação a novas situações e a resolução de problemas difíceis (para tanto as bolsas do programa “ensinar com pesquisa deve ser significativamente aumentadas); reforçar os programas tradicionais de reequipamento e modernização de laboratórios didáticos e salas de aula, em busca da meta de “um computador por aluno”; reconstruir o sistema de avaliação de cursos e disciplinas, com participação discente, corporificando uma “cultura de avaliação”; propor cursos inovadores, de caráter multidisciplinar, não limitados a perfis profissionais específicos; aperfeiçoar as condições e métodos de ensino, incorporando conquistas das novas tecnologias eletrônicas, avanços da neurociência e das técnicas de aprendizagem e avaliação; incentivar a criação de “páginas de curso” e material didático informatizado, com base na experiência internacional; e acompanhar o trabalho dos novos “grupo de apoio pedagógico”, procurando transpor para as atividades de ensino os avanços dos métodos e técnicas de aprendizagem.

Modificações pontuais no vestibular podem ser feitas no âmbito do Conselho da Pró-Reitoria de Graduação, mas a discussão e a deliberação sobre modificações mais profundas, com potencial de alterar profundamente o perfil do aluno ingressante merecem reflexão coletiva mais ampla, com participação ativa das unidades que receberão tais alunos.

Já no Informativo nº 1 do COMPROMISSO USP, lia-se como proposta: “urgir e dar condições para que as Unidades revejam, atualizem e modernizem seus cursos de graduação e de pós-graduação, levando em conta as grandes transformações da sociedade e a experiência internacional (p. 3)”

No plano de gestão, Informativo nº 2, acima citado, reza: “Graduação. A Pró-Reitoria de Graduação, com a colaboração das unidades, deverá elaborar método de avaliação próprio da graduação, além de assessorar as unidades na revisão, atualização e modernização dos cursos, levando em conta as grandes transformações da sociedade, nacional e internacional.” (p. 3)

9. Como vê nossa ausência do Enade? Pretende incluir a USP nas avaliações nacionais de graduação?

O informe nº 2 do COMPROMISSO USP diz:

“Avaliação continuada do ensino em todos os seus aspectos. É imprescindível que o ensino seja avaliado permanentemente. A avaliação para ser completa deve verificar o corpo docente, o corpo funcional, o corpo discente e a metodologia utilizada; bem como a estrutura física (predial, lógica, laboratorial e bibliográfica). A avaliação é poderoso instrumento para o aprimoramento. A avaliação externa, inclusive a proveniente de órgãos nacionais não fere a autonomia universitária.” (p.2)

“Graduação. A Pró-Reitoria de Graduação, com a colaboração das unidades, deverá elaborar método de avaliação próprio da graduação, além de assessorar as unidades na revisão, atualização e modernização dos cursos, levando em conta as grandes transformações da sociedade, nacional e internacional.” (p.3)

“Pós-graduação. A Pró-reitoria de Pós-Graduação, com a colaboração das unidades, deverá elaborar método de avaliação próprio da pós-graduação, além de assessorar as unidades na revisão, atualização e modernização dos cursos, levando em conta as grandes transformações da sociedade, nacional e internacional.” (p.3)

A avaliação além de continua deve ter conseqüência para os avaliados. Padrões de qualidade e de procedimento ético de alto nível somente existem com avaliação externa, se possível por grupo internacional com competência na área. É importante que a USP participe das avaliações nacionais, mas de forma pró-ativa, criticando o que considerar inadequado e colaborando para o aperfeiçoamento do processo.

10. Quais são suas prioridades e sugestões para melhorar a pós-graduação, já que somos a instituição líder em nosso país no número de cursos de doutorado, com mais de 200? Como vê a criação, difícil mas necessária, de programas interdisciplinares, uma vez que já temos quase todos os unidisciplinares que poderíamos ter?

A resposta dada à questão 8 faz parte integrante da presente resposta, por ter abrangido tanto a graduação como a pós-graduação. Particularmente na pós-graduação, titulação baseada em pesquisa, a multidisciplinaridade é imprescindível. Creio que as dificuldades sentidas na universidade originam-se, muito provavelmente, de interpretação falha das diretrizes da avaliação da CAPES, induzindo os docentes a evitar de participar em outros programas, que não dos de seu departamento de origem. Temos que prestigiar a multidisciplinaridade, componente indispensável na pesquisa de ponta, universalmente. Em havendo alguma dúvida quanto à interpretação dos critérios da CAPES, sendo a USP a instituição que mais titula doutores, deve interagir com aquela agência para solucionar a questão.

11. Que lugar vai atribuir ao pós-doutorado? Nossa universidade é a principal responsável pela formação de doutores que depois vão para outras instituições. Como podemos dar o salto qualitativo que significa termos pós-doutorados em qualidade e quantidade significativas?

A USP necessita grande evolução no que tange ao pós-doutorado, quer aprimorando a regulamentação, para que seja, a um tempo, ágil e segura, quer estabelecendo medidas de incentivo. Uma universidade do porte da USP, profundamente interessada em prosseguir na sua internacionalização, deve contar com um grande número de pós-doutores em todas as suas áreas.

sábado, 17 de outubro de 2009

Resposta do prof. Francisco Miraglia

Respostas às questões formuladas pelos signatários do manifesto A USP precisa mudar

I. Um programa para Reitor pressupõe uma concepção de educação e de universidade que oriente a elaboração de um projeto de Universidade.

Concebemos a Educação Pública e Gratuita como direito social inalienável e, como tal, constitui-se em obrigação do Estado, não podendo ser considerado um serviço ou mercadoria. Concebemos a Universidade Pública como uma das instâncias nas quais se deve promover, de forma integrada, a capacitação ao trabalho e a reflexão crítica sobre a sociedade na qual está inserida, bem como a produção do conhecimento, o desenvolvimento e a democratização do saber, em todas as áreas da atividade humana.

Essa concepção exige que ela esteja atenta aos anseios e necessidades da maioria da população, contribuindo para a correção da imensa injustiça social que caracteriza a sociedade brasileira: oriente-se por um plano periódico de prioridades no qual as grandes questões nacionais estejam contempladas; seja autônoma em relação ao Estado e aos governos, pautando-se pela liberdade de pensamento e informação, sendo vedada toda e qualquer forma de censura ou discriminação de natureza filosófica, religiosa, ideológica, política, étnica ou sexual.

Para tanto essa Universidade deve se organizar de modo a:

  1. desenvolver suas funções básicas de ensino, pesquisa e extensão à comunidade de forma indissociável, harmônica e interdisciplinar;
  2. preservar sua gratuidade e autonomia nos níveis administrativo, acadêmico, pedagógico, científico e no gerenciamento de insumos e recursos;
  3. manter seu caráter público e a transparência no modo de funcionamento, em suas deliberações e na destinação de sua produção e no acesso; é fundamental tomar providências urgentes para decentralizar e desburocratizar a administração da universidade;
  4. prestar serviços à sociedade que a mantém, priorizando os setores públicos essenciais, com vistas a propor soluções para os problemas que atingem a maioria da população;
  5. desenvolver projetos de extensão, intrinsecamente ligados ao ensino e pesquisa nela produzidos;
  6. propiciar a integração e sistematização de conhecimentos e experiências, evitando o fracionamento e a desarticulação do trabalho funcional, acadêmico e científico.

Para garantir a qualidade dessas funções é necessário que a Universidade tenha:

  1. o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) como o regime preferencial de trabalho na Universidade, proporcionando condições favoráveis à consecução de seus objetivos;
  2. a carreira docente de estrutura simples, na qual a ascensão seja alcançada por meio de títulos obtidos em concursos e/ou processos públicos de avaliação por bancas qualificadas;
  3. a carreira funcional de estrutura simples e adequada ao trabalho desenvolvido na Universidade, com critérios claros e amplamente debatidos de ascensão.

II. A estrutura de poder autoritária e centralizadora, hoje presente na USP, não é compatível com essa concepção e objetivos. É, portanto, fundamental a realização de uma Estatuinte, democrática, livre, soberana e exclusiva, com ampla participação de professores, estudantes e funcionários. Tal estatuinte deverá reunir-se exclusivamente para construir o novo Estatuto para a USP, democrático, republicano, que favoreça a humanização do trabalho e das relações sociais, administrativas e acadêmicas na Universidade. Para tanto, é imperativo estabelecer uma separação entre os que exercem o poder na Universidade e aqueles que determinam como ele deverá ser exercido. Defendemos que a estrutura da Universidade seja fundada em organismos democráticos, com participação de representantes de cada categoria do seu corpo. Em particular, chefes de departamento, diretor e reitor devem ser escolhidos por eleições diretas, com a participação de docentes, estudantes e funcionários. Tais escolhas devem se esgotar no âmbito dos departamentos, unidades e Universidade, respectivamente, com o fim das listas tríplices para diretor e reitor.

III. Consideramos que o ensino deva ser crítico e formador, que favoreça, na sua interação com a pesquisa e a extensão, a autonomia do pensar e do fazer, tanto no exercício profissional quanto na ação social; a atividade de ensino deve ser valorizada nos concursos de ingresso e nas avaliações para progressão na carreira.

Entendemos a pesquisa como atividade intelectual de caráter artesanal, devendo ser valorizada como um instrumento de desenvolvimento – científico, tecnológico, cultural, artístico, social e econômico - soberano do país e que não pode ser submetida a indicadores empregados na produção industrial ou no mercado. Essa perspectiva é particularmente importante na formação de Mestres e Doutores e na Pós-Graduação em geral. Alguns pontos centrais são:

  1. destinação orçamentária anual específica para a sustentação autônoma da pesquisa na USP;
  2. nenhum trabalho de pesquisa realizado na Universidade poderá ser submetido a contrato de segredo ou de não divulgação pública;
  3. entendemos que os profissionais de uma mesma área do saber devam se agrupar preferencialmente, mas não exclusivamente em Departamentos, entendidos como unidade mínima de divisão administrativa, definidos em bases puramente acadêmicas e científicas. Acreditamos que estas unidades sejam a instância adequada para tomar as decisões fundamentais de natureza acadêmica e científica, incluindo-se a definição de políticas de desenvolvimento e avaliação;
  4. concebemos a extensão como uma política institucional, baseada na identificação e busca de soluções para problemas sociais relevantes. Defendemos que a Universidade deva estimular a organização de grupos multidisciplinares para estudo e formulação de políticas públicas nas mais diversas áreas, como educação, saúde, transporte público, energia,entre outros, contribuindo, de maneira ativa e sistêmica, para o desenvolvimento social e econômico da sociedade que a financia. Propomos que seja estabelecida destinação orçamentária anual específica para a sustentação dessa atividade;
  5. defendemos que a avaliação do trabalho acadêmico deva ser feita pelos envolvidos no projeto, de forma crítica e pública. Esse procedimento deve ter precedência, para todos os efeitos acadêmicos, sobre qualquer procedimento externo ou centralizado de avaliação.

Tanto na Graduação, quanto na Pós-graduação, na Pesquisa e na Extensão, é central estimular a reflexão acerca de problemas substantivos, naturalmente inter e multidisciplinares, no lugar de priorizar resultados. Esse processo potencializará a criação de grupos inter e multidisciplinares, rompendo barreiras que, frequentemente, têm origem na preservação de “feudos” e esferas de influência e não no interesse do desenvolvimento acadêmico da instituição.

O pós-doutorado tem um papel importante na troca de experiências e na renovação de idéias e perspectivas, sendo central aumentar o fluxo de pós-doutores para a USP, estabelecendo programas espcíficos com essa finalidade.

IV. É importante catalizar na USP a perspectiva de integrar-se desenvolvimento do papel do Brasil na esfera geopolítica, contribuindo para a democratização do acesso e produção do saber e do exercício do poder politico, particularmente na América Latina e Central.

V. Entendemos que a decisão tomada pela USP de não participar do ENADE, tal como proposto, foi acertada. Por outro lado a USP pode, sem dúvida, contribuir para a construção de métodos avaliativos que possibilitem diagnóstico, realimentação positiva e aprimoramento das atividades acadêmicas nas universidades brasileirias, muito especialmente nas instituições privadas.

São Paulo, 16 de outubro de 2009

F. Miraglia

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Questões aos candidatos

Estas questões foram formuladas pelos signatários do Manifesto e enviadas em setembro aos candidatos a Reitor. Visam a permitir (i) uma discussão aprofundada e com compromissos precisos sobre os problemas e projetos da USP, (ii) um comprometimento que vá além das candidaturas, para envolver todos nós, docentes da USP, na mudança de nossa Universidade.

Questões aos candidatos

1) Compromete-se, nos primeiros 90 dias de seu mandato, a dar início a uma ampla discussão para modificar a forma de escolha do Reitor, o que deve ser completado no seu primeiro ano de gestão? Qual é sua opinião em relação ao atual segundo turno? Concorda que a indicação do Reitor deva ter uma participação mais ampla da comunidade, mas com a meta de acentuar e não de reduzir os critérios de qualidade?

2) Assume o compromisso de desburocratizar radicalmente a USP, eliminando tramitações que demoram às vezes anos para se chegar a uma decisão? Promete dar os passos necessários para essa mudança - que deve afetar todos os colegiados, desde os Conselhos Departamentais até o Conselho Universitário - nos seis primeiros meses de mandato?

3) Reconhece que se deve descentralizar a gestão da Universidade, fortalecendo assim as iniciativas das unidades e dos grupos docentes, acabando com a subordinação do mérito ao rito? De que maneira vai efetivar a desconcentração de poder, se assumir esse compromisso?

4) Como pretende evitar as tendências da USP à desagregação, que fazem por exemplo os grupos mais bem avaliados se afastarem do dia a dia da Universidade, seja porque não são devidamente valorizados, seja porque não necessitam da instituição?

5) Como lidará com os grupos menos bem avaliados, de forma que eles atinjam o que almejamos seja um padrão USP de qualidade?

6) O que pensa dos problemas que chamamos, no Manifesto, de “déficits” sociais? Dentre eles, quais serão as suas prioridades? Como pretende – se pretende – trabalhar cada um deles:

6. 1. a violência, com suas múltiplas raízes;

6.2. a desigualdade em todas as suas dimensões, especialmente a social;

6.3. a crescente poluição;

6.4. o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade;

6.5. o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural;

6.6. a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social.
6.7. e, como maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, a educação em todos os níveis.

7) Como aproveitará, se for escolhido Reitor, as oportunidades que hoje se colocam diante de nós e que mencionamos no Manifesto – em especial, a possibilidade de sermos a primeira potência ambiental do planeta? E também as oportunidades que se colocam na biotecnologia, nanotecnologia, geração sustentável de energia, uso da água? E as potencialidades que decorrem de nossa diversidade cultural, para que repercuta em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras?

8) Como pensa renovar a educação de graduação num mundo em que o conhecimento é cada vez mais interdisciplinar?

9) Como vê nossa ausência do Enade? Pretende incluir a USP nas avaliações nacionais de graduação?

10) Quais são suas prioridades e sugestões para melhorar a pós-graduação, já que somos a instituição líder em nosso país no número de cursos de doutorado, com mais de 200? Como vê a criação, difícil mas necessária, de programas interdisciplinares, uma vez que já temos quase todos os unidisciplinares que poderíamos ter?

11) Que lugar vai atribuir ao pós-doutorado? Nossa universidade é a principal responsável pela formação de doutores que depois vão para outras instituições. Como podemos dar o salto qualitativo que significa termos pós-doutorados em qualidade e quantidade significativas?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dez teses de Glauco Arbix sobre a Universidade

Dez Teses para a Universidade Brasileira

Glauco Arbix

[1]

A Universidade brasileira está mais do que nunca convidada a aprofundar e refinar sua sintonia com os esforços do País na busca do desenvolvimento. Erra, no entanto, quem acredita ingenuamente que essa missão é assumida com tranqüilidade pela comunidade acadêmica. No mundo todo a universidade enfrenta enormes dificuldades para desempenhar os novos papéis a que tem sido chamada. Num certo sentido, vive imersa em um grande paradoxo: centro produtor por excelência de conhecimento novo, encontra-se despreparada para dar conta da explosão de conhecimento que transforma ensino e pesquisa, ciência e tecnologia, assim como todos os processos de inovação que sacodem as sociedades no mundo todo.

O conhecimento sempre ocupou lugar de destaque na história da humanidade, é certo. Mas a realidade de hoje é muito distinta do passado longínquo e também de vinte ou trinta anos atrás. A emergência de um mundo em que a informação e o conhecimento são produzidos, articulados e oferecidos de um modo novo, em gigantescos volumes e com enorme rapidez, questiona os limites, a atuação e o modo de produção universitária. Sua missão, estrutura, organização e funcionamento mostram-se inadequados e pedem remodelagem institucional, alteração de hábitos e liberdade para o florescimento de novos centros de dinamismo, uma vez que as relações (i) no interior das Universidades, (ii) entre as Universidades, (iii) entre a Universidade e as Empresas, (iv) entre a Universidade e o País, assim como (v) entre a Universidade e o Mundo, estão imersas em enorme tensão.

As nações e suas economias são cada vez mais moldadas pelos avanços do conhecimento, o que abre novas oportunidades e coloca novos desafios para todos os países, avançados ou emergentes. Competidores diretos do Brasil, como a China e a Índia, armam-se para facilitar a transição para um novo paradigma de desenvolvimento, em que o conhecimento ocupa lugar central na produção e reprodução das suas relações econômicas e sociais. Como não poderia deixar de ser, nessa situação, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação estão no coração das novas estratégias competitivas. E o Brasil? Até que ponto avançamos nessa direção? Qual é a qualidade da contribuição acadêmica para a transformação do país? Para além dos discursos de ocasião, como se dá a reflexão acadêmica sobre a Academia? Estamos abertos para acolher e estimular as novas gerações de pesquisadores e de saberes? As novas malhas e articulações? Ou a entrar em sintonia fina com os esforços do país para livrar-se do atraso secular?

De um modo geral, a resposta é Não. Na maior parte das vezes não temos preparo e nem agilidade para a mudança. Muitas vezes sequer queremos mudar. Mas no mundo rico e diversificado da universidade, há muita mudança e transformação. Essa é a riqueza maior que deve ser cultivada com carinho. Pois fornece alento e apoio para o reordenamento institucional que deve nortear a Universidade brasileira hoje. Para isso, expomos dez teses. Intencionalmente, questões-chave como salários, carreiras e mesmo financiamento da atividade acadêmica de pesquisa, ensino e aprendizagem foram deixadas para outro momento.

Tese 1: Novas Alianças

Os novos fluxos de conhecimento e a natureza atual da produção científica questionam as fronteiras tradicionais da Academia. A estrutura e as redes de produção de conhecimento invadiram as áreas mais remotas das sociedades. Criaram novos ambientes – e não apenas laboratórios –, novos agrupamentos e comunidades que diversificaram a produção de conhecimento. Além de centro produtor e difusor de conhecimento novo, a Universidade brasileira está chamada a multiplicar as alianças intelectuais, dentro e fora do ambiente acadêmico.

Tese 2: Remodelagem Institucional

O arco das disciplinas continua sendo peça chave para a pesquisa. O mesmo não ocorre com a estrutura de Departamentos. As “caixinhas departamentais” reforçam a visão da Universidade como arquipélago e dificultam sua ação institucional. Estão ossificadas. Jogam contra a articulação dos saberes. Resistem às novas dimensões do conhecimento e às redes interdisciplinares.

Tese 3: Programas Interinstitucionais

A mobilidade docente e discente entre universidades é cada vez mais fundamental. No Brasil a mobilidade docente é quase inexistente. E a discente baixa. Para avançar na miscigenação de saberes, é preciso permitir, facilitar e estimular o trânsito de alunos professores entre Universidades brasileiras, assim como potencializar e ampliar os programas de intercâmbio no Exterior.

Tese 4: Mão Dupla

As empresas estão no centro das atenções dos países avançados e dos nossos concorrentes mais próximos. Se antes a cooperação universidade-empresa era importante, hoje é vital. Para as empresas e para a universidade. Para as empresas porque a Universidade ajuda a elevar sua competitividade. Para a universidade porque oxigena suas artérias. Foi-se o tempo em que o conhecimento fluía apenas da universidade para a sociedade.

Tese 5: Pesquisa de Padrão Mundial

Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação são peças essenciais nas estratégias de desenvolvimento. Para participar desse esforço, a Universidade brasileira deve perseguir uma Pesquisa de Classe mundial. Isso significa dotar-se de mecanismos de estímulo à melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa, assim como de aferição, acompanhamento e avaliação permanente. A elaboração de indicadores de inovação e qualidade permite a comparabilidade internacional e a análise da trajetória nacional ao longo do tempo. A busca e a utilização dos padrões mais avançados, do saber e dos sensores de fronteira deve ser preocupação permanente e generalizada.

Tese 6: A Todo Vapor

O Brasil possui aproximadamente 3 mil instituições de ensino superior, 24 mil cursos de graduação e 3 mil de pós-graduação stricto senso. De 1996 e 2006 o País praticamente duplicou o número de matrículas em mestrado e doutorado e mais do que triplicou o número dos que completam esses cursos. Avançamos, é certo. Mas é possível e necessário avançar muito mais no acesso e na qualidade das nossas instituições. Atualmente, apenas 11% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados em cursos superiores, um dos mais baixos da América Latina. A Universidade, em especial a pública, deve se reordenar para estabelecer claramente seu compromisso de elevar o padrão de acesso assim como a qualidade da pesquisa, ensino e aprendizagem.

Dados da CAPES, porém, indicam também problemas de natureza distinta do acesso. Mais de 40% dos alunos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em 2006 estavam matriculados na área de ciências humanas e sociais aplicadas, enquanto que apenas 8,8%, 8,5%, 14,3%, 16% e 10,4% estavam matriculados, respectivamente, em ciências exatas e da terra, ciências biológicas, engenharias e informática, ciências da saúde e ciências agrárias. Se comparados aos de 1987, com exceção das ciências humanas, sociais aplicadas e ciências da saúde, todos os demais percentuais apresentaram redução. Entre os doutores, os dados indicam que houve pequena oscilação positiva nas áreas de exatas, biológicas, engenharias, informática e saúde. A única exceção foi nas ciências agrárias, em que houve expressivos avanços. Ou seja, é verdade que nos últimos 20 anos foi enorme a expansão da pós-graduação. Mas, em grande medida, o crescimento se deu em áreas do conhecimento pouco expressivas para o avanço da inovação tecnológica. Não se trata de desprezar o potencial para o desenvolvimento da área de humanas. O problema aqui é de outra ordem, e diz respeito à capacidade do País de sustentar sua atividade econômica em todos os níveis, sem a qual não haverá desenvolvimento.

Tese 7: Transparência

A Universidade tem a obrigação de transferir para a sociedade os frutos de sua atividade acadêmica. Para tanto, deve respirar e transpirar autonomia, que também é o oxigênio do pesquisador. No entanto, autonomia não pode ser biombo nem plataforma para o corporativismo e o enclausuramento conservador. A Universidade não está acima nem fora da sociedade. A prestação transparente de suas contas, a exposição cristalina de seus investimentos e a utilização judiciosa dos recursos públicos são obrigações de uma Universidade que deseja o avanço do conhecimento e a transformação da sociedade.

Tese 8: Meritocracia

A promoção por tempo de casa e os benefícios por antiguidade são avessos á competição saudável que deve existir na geração de conhecimento novo. A introdução de sistemas meritocráticos para nortear remuneração, carreiras e promoções é fundamental para o salto de qualidade que a Universidade brasileira – em especial a pública – declara querer.

Tese 9: Universidade Sem Fronteiras

A construção de novas articulações e redes de conhecimento deve ser a marca de uma Universidade que se repensa e moderniza. A diversificação de suas relações expõe uma instituição aberta e sem fronteiras. Em todas as suas dimensões, seja estadual, regional, nacional e internacional. A construção de uma Rede Mundial de Pesquisadores brasileiros, posicionados em centros de pesquisa pelo mundo afora, pode ser instrumento revitalizador da Universidade. Sua contribuição para o desenvolvimento nacional, enquanto pesquisadores no exterior, pode abrir um novo capítulo na história do pensamento científico brasileiro. A USP poderia ser a sede do portal Brasil-Global.

Tese 10: Sintonia com o País

Em todo o mundo a Universidade está convidada á repensar sua institucionalidade, missão e operação. Está chamada a se redefinir e se adaptar às mudanças. A manutenção de sua autonomia é chave para a geração de conhecimento novo. A questão primordial que está colocada para a comunidade acadêmica é a de aumentar a relevância econômica e social da sua agenda de pequisa. Não é o Estado nem os governos que devem interferir na sua agenda de pesquisa. Mas é a comunidade acadêmica que deve questionar e repensar sua própria pauta e a relevância de sua ação para o desenvolvimento do País.



[1] Professor Livre Docente do Depto. de Sociologia, FFLCH. Coordenador do Observatório da inovação do IEA-USP. Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O power point do Manifesto

Favor acessar clicando o endereço http://www.iea.usp.br/iea/manifesto.pdf, no site do IEA.

Debate no IEA

Caros colegas,
Esta quinta-feira, dia 3 de setembro, a partir das 14h30 (e com horário-limite às 17h30), teremos no Instituto de Estudos Avançados um debate dos signatários do Manifesto A USP precisa mudar com os interessados em geral.
O debate é público e terá lugar no:
Auditório Alberto Carvalho da Silva,
sede do IEA,
Av. Prof. Luciano Gualberto,
Travessa J, 374,
Edifício da Antiga Reitoria,
Cidade Universitária, São Paulo.
ou, em Ribeirão Preto,
na Faculdade de Medicina,
Anfiteatro da Seção de Pós-Graduação
Rua Pereira de Freitas, 2.
Para participar presencialmente (em São Paulo!) é preciso se inscrever em www.iea.usp.br/iea/inscricao/form1.html.
Foram convidados, em especial, os candidatos a Reitor.
No início do encontro, o Manifesto será resumido pelo Prof. Renato Janine Ribeiro, falando de Ribeirão Preto (anfiteatro já mencionado). O power point que vai ser utilizado está disponível neste blog.
Depois disso, haverá o debate, sendo colocados questões que serão respondidas pelos sete signatários.
Quem quiser ver a distância, acesse o endereço http://200.144.185.9/portal/home.jsp#. Caso não funcione, dê um google em IPTV USP e depois procure Transmissões > Ao vivo. Ou acesse diretamente www.iea.usp.br/aovivo.
Poderão ser enviadas perguntas para iearesponde@usp.
Esperamos vcs!
Um abraço,
Nós todos.

sábado, 29 de agosto de 2009

Pesquisa na Universidade Pública?

Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 09/07/2007
Pesquisa na Universidade Pública?
No Brasil, quase a totalidade da pesquisa básica, uma percentagem elevada da pesquisa aplicada e uma parte da inovação é desenvolvida em Universidades públicas. Hoje, estas instituições apresentam estruturas conservadoras, quando não obsoletas, e estão dominadas por forças pouco interessadas pela pesquisa ou a inovação. Este divórcio, estrutural e político, pode chegar a ser um gargalo importante e resultar na criação de outras estruturas, dentro ou fora da universidade, que respondam às demandas da sociedade por pesquisa e inovação para o desenvolvimento socialmente justo e sustentável.
No mundo desenvolvido as universidades de pesquisa, ou de classe mundial, educam uma parcela, de peso relativo variável, dos jovens que recebem ensino superior. A formação diferenciada, caracterizada por um contacto precoce com a criação de conhecimento, individualiza os graduados em universidades de pesquisa. Uma meta estratégica nacional poderia ser passar, nas próximas duas décadas, de 12% para 40% os jovens da faixa etária entre os 17 e os 25 anos matriculados num sistema de ensino superior diferenciado. Este sistema deve incluir as universidades de pesquisa, mas estas não constituem a única parte do sistema. Universidades técnicas, escolas de formação de professores de ensino fundamental, instituições de ensino à distância, faculdades de formação acelerada, entre outras estruturas, devem também ser consideradas quando se pretende expandir o sistema de ensino superior público. Essa estratégia permitiu, em muitos países, ampla cobertura de ensino superior para todos os jovens.
As universidades de pesquisa contemporâneas requerem estruturas ágeis e flexíveis que se adaptem as rápidas mudanças que caracterizam a criação de conhecimento em nosso tempo, mantendo a capacidade de preservar outras que sirvam a tipos distintos de produção cultural. A autonomia destas instituições requer hoje não somente a preservação da liberdade acadêmica, pilar clássico da universidade, mas também, a liberdade de adaptar a estrutura interna a suas necessidades, a agilidade de contratar segundo os seus ritos, o livre-arbítrio de
demitir, a possibilidade de criar parcerias com agentes externos, públicos ou privados. Todas estas ações, em universidades públicas, devem ser socialmente transparentes, sem confundir esta transparência com normas legais adequadas para outros tipos de serviço público. Autonomia requer, pois, a regulamentação dos preceitos constitucionais que tratam dos âmbitos didático-científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial.
Estas linhas de reflexão não encontram eco nem espaço nas associações, sindicais ou não, de estudantes, docentes e funcionários não docentes, ou nos sistemas de gestão das universidades públicas.
Movimentos grevistas, que reúnem estudantes acampados em prédios universitários com alguns docentes e funcionários não docentes, entendem que a luta por autonomia se resume a aumentar poder, salários e subsídios, ou subsídios, salários e poder ou qualquer ordem, sempre que seja somente isso. Na novilíngua destes movimentos o termo “manifestação pacífica” inclui, entre outros significados: ocupação à força; expulsão de professores de sala de aula; piquetes que paralisam aulas, bibliotecas públicas, escolas, transporte, restaurantes e creches; piquetes que congelam atividades de Institutos. A violência, na ótica do movimento grevista, está associada a qualquer ação ou reflexão que se oponha à suas reivindicações. Na pretensa defesa da autonomia (de que tipo de universidade?) estes movimentos contribuem para que as forças que atacam por motivos ideológicos o serviço público se somem as que decretam o fim da pesquisa na universidade pública porque nesta não se oferecem condições para que este país avance com equidade e se desenvolva com sustentabilidade, usando ciência, tecnologia e inovação.
Os sistemas de gestão da universidade, por outro lado, entendem que a autonomia é uma ferramenta para aumentar vagas, como se as poucas universidades que potencialmente são de classe mundial tivessem que competir com as grandes fábricas privadas de diplomas pelo título de “a maior universidade brasileira”. Onde estão, poderia se perguntar, os projetos estratégicos para colocar algumas das nossas universidades públicas entre as primeiras universidades de pesquisa do planeta? Onde se colocam as contrapartidas estruturais que
reconheçam que a pesquisa traz para universidade um acréscimo de recursos que pode chegar a vinte e cinco por cento do orçamento? Bem poderiam os atuais dirigentes se debruçar sobre a responsabilidade das poucas universidades brasileiras com potencial para se transformarem em instituições de classe internacional. Um dos temas de reflexão poderia ser recente editorial da revista Nature (vol. 446, página 949 de 26 de Abril de 2007) que comenta sobre a universidade do futuro, onde as unidades estruturais não são os departamentos, mas centros interdisciplinares que tratam de temas de relevância científica ou social.
Sistemas de pesquisa independentes da universidade existem no mundo: institutos privados ou semipúblicos de pesquisa como na Argentina e institutos de pesquisa ligados a ministérios ou academias, como na França ou na China, constituem exemplos. Estes são apenas algumas das opções que este país deverá considerar se a efervescência corporativa, ou a falta de visão das gestões das universidades públicas, continuar a dificultar a criação de conhecimento dentro da Universidade. Está mais do que na hora que pesquisadores/docentes assumam que o seu silêncio e a sua omissão política, inviabilizam a transformação de suas instituições em universidades de classe mundial.
Hernan Chaimovich
Professor da Universidade de São Paulo

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eleições Diretas

Eleições Diretas
Publicado na Edição Online do Jornal do Campus, Julho 2009
Eleições diretas
por Hernan Chaimovich

A USP não é gratuita, custa ao contribuinte paulista cerca de um bilhão de US$ por ano. Essa soma, transformada em escolas, postos de saúde ou quaisquer outros investimentos, não é pequena em qualquer país do mundo. No Brasil, então! É necessário refletir por que a USP, uma das poucas públicas no Brasil que não escolhe diretamente o reitor, a mais destacada universidade brasileira na visão global, deve continuar a receber este significativo aporte dos contribuintes paulistas. Este investimento é inteiramente justificado se a USP continuar a manter a destacada posição de ser uma das únicas universidades brasileiras de classe mundial. Em 2009 é impensável desenvolvimento justo e sustentável sem que o país tenha um ensino contemporâneo em todos os níveis e, pelo menos, algumas universidades de classe mundial.

Inclusão e democratização no acesso são palavras que têm sido usadas para justificar as demandas para eleição direta. Mas, na minha experiência, democratizar o acesso significa diferenciar o sistema de ensino superior público com mais FATEC´s, ensino a distância e outras formas criativas de inclusão. Não existem dados que permitam sequer vislumbrar qual a relação entre eleição direta para reitor, democratização do acesso, inclusão ou maior inserção social e global desta universidade.

As experiências latino-americanas de fazer da Universidade um foco político/partidário ou revolucionário fracassaram em todos os países onde foram tentadas. A partidarização da Universidade, e não a sua inserção social, foi o resultado obtido no Chile, na Argentina e no Brasil. A Universidade não ensinou melhor quando a direção dos órgãos universitários se deu por eleição direta. Não existem exemplos onde Universidades dirigidas por reitores, diretores e chefes de departamento eleitos diretamente façam melhor pesquisa ou sirvam de modo mais eficiente à sociedade que as mantém. Exemplos onde o fazer universitário se degrada após eleições diretas são abundantes.

Numa eleição direta na Universidade, as promessas corporativas, partidárias e/ou revolucionárias têm precedência sobre as acadêmicas. As promessas acadêmicas, respeitando o uso do dinheiro público, implicam mais trabalho para todo mundo e podem incorporar idéias como, por exemplo: professor que não ensina e pesquisa, bem como aluno que não se esforça, devem ser transferidos para um sistema não financiado pelo Estado. Isso encontra pouca ressonância nas corporações de professores, alunos e funcionários.

Se a universidade não pode servir como instrumento dos grandes grupos econômicos e tem que direcionar o seu atendimento às demandas sociais, a responsabilidade não pode ser atribuída tão somente à Universidade. A definição de política educacional-científico-tecnológica-industrial passa necessariamente pelo Estado e a sociedade através de seus representantes. É no Executivo, no Congresso e nas Assembléias onde a política deve ser definida. A universidade, no seu campo específico de atuação e mantendo a autonomia a duras penas conquistada, é (ou deveria ser) um dos instrumentos de mudança.

Continuo acreditando na necessidade de aumentar a politização dos que estudam e trabalham na USP. Mas, a meu ver, a eleição direta para Reitor partidariza sem politizar e, sobretudo, desloca o discurso e cristaliza as corporações. Cristalizar corporações de professores, alunos ou funcionários sempre resultará em posições conservadoras, pois estas resistirão a qualquer tipo de mudança que não seja conveniente ao seu particular interesse. Existe posição mais conservadora que a resistência ao ensino à distância sob o pretexto de uma qualidade do ensino mal definida?
Mantendo a minha posição contrária a eleição direta, não acredito que o atual sistema de escolha de Reitor seja mais conveniente para a USP.

Minimamente, o segundo turno deveria ser eliminado para garantir o peso político das representações acadêmicas existentes nas congregações. Quiçá assim o Governador poderia escolher o Reitor de uma lista tríplice mais articulada com propostas acadêmicas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Reportagem da Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman escreve para a "Folha de SP":

Um grupo de sete notáveis da USP está lançando um manifesto em que cobra alterações estruturais na universidade e exorta professores a participarem mais do processo de sucessão reitoral, que se inicia agora.

Assinam o documento, intitulado "A USP precisa mudar", os seguintes professores: Adalberto de Fazzio, do Instituto de Física; Glauco A. Truzzi Arbix, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Hernán Chaimovich Guralnik, do Instituto de Química; Jorge Kalil Filho, da Faculdade de Medicina; Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; e Vahan Agopyan, da Escola Politécnica.

O manifesto aponta a necessidade de a USP se modernizar sem perder suas "tradições de qualidade". "As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais", diz o texto.

O movimento surge pouco depois de uma greve seguida de ocupação do campus de São Paulo pela Polícia Militar (a pedido da reitoria) que lançou a USP numa espécie de crise de identidade. O subproduto positivo do episódio é que ganharam maior evidência discussões existenciais sobre o papel da universidade, que vão desde a legitimidade das associações sindicais até a forma de eleição para reitor, passando por questões estratégicas como excelência acadêmica e avaliação.

O grupo considera que o processo eleitoral, previsto para terminar em outubro, é uma excelente oportunidade para melhorar o nível do debate, levando os candidatos a posicionar-se sobre os mais variados temas e definindo quais são os consensos que estão além de candidaturas individuais.

Em relação especificamente à escolha do reitor, o movimento defende a eliminação do colégio eleitoral do segundo turno, do qual participam apenas 256 professores muito próximos da reitoria. "O processo atual é altamente insatisfatório", diz Marco Antonio Zago, um dos articuladores do movimento. A alternativa proposta é o colégio eleitoral do primeiro turno, com 1.200 ou 1.300 membros, ou uma versão ainda mais ampliada.

O texto pede que uma nova forma de escolha seja efetivada já no primeiro ano da próxima gestão, para funcionar na eleição subsequente à deste ano.

Renato Janine Ribeiro, outro dos organizadores, enfatiza a questão da qualidade. "Muito do debate se tem centrado na forma de escolher o reitor, que é muito importante, mas é apenas um meio. O fim é o aumento da qualidade, o enfrentamento do que chamamos de déficits e o aproveitamento do que chamamos de oportunidades", afirma o professor.

O grupo insiste fortemente na necessidade de reforçar os mecanismos de avaliação como forma de garantir a excelência acadêmica. "Não há um processo de avaliação forte, permanente e profundo. E o pouco que há é sempre visto como algo para prejudicar, punir e perseguir", lamenta Zago.

Um dos problemas graves apontados pelo movimento é o que os signatários chamam de "forças centrífugas que tendem a desagregar a USP". Pesquisadores de mais sucesso acabam se isolando e, através das fundações e outros mecanismos, batalham sozinhos por financiamento para seus projetos.

A ideia de universidade como "universitas" (o todo, o universo) perde o sentido, explica Ribeiro. Para ele, essa tendência pode ser combatida com mais liderança acadêmica, em especial de parte da reitoria, e com mais autonomia para as unidades. "O modelo da USP é muito centralizador", queixa-se.

Outro alvo do movimento é a burocratização, que, nas palavras do documento "subordina o mérito ao rito". É função da reitoria, diz o texto, "quebrar a estagnação".

O documento também menciona a necessidade de a USP abrir-se mais para a sociedade, participando da solução de problemas e fornecendo os quadros necessários para enfrentá-los. Pede uma renovação do sistema de pós-graduação que aposte na interdisciplinaridade e em novas formas de articular grupos de pesquisa.

Questionados sobre candidaturas, tanto Zago como Ribeiro afirmaram que, hoje, nenhum dos signatários tem planos de postular o cargo de reitor.

Manifesto A USP precisa mudar

A USP precisa mudar

A Universidade precisa mudar. A USP precisa modernizar-se sem perder suas tradições de qualidade. A USP precisa assumir suas responsabilidades para com a sociedade que a mantém. O momento de escolha do novo reitor é um momento apropriado para levantar idéias - para pensar grande! Não importa qual candidato cada um de nós irá apoiar: quem for eleito deve garantir a excelência de nossa instituição num quadro novo do mundo e do conhecimento, combinando a tradição de qualidade da USP com a agilidade necessária no mundo moderno.

As mudanças globais acentuadas pela recente crise criaram novos eixos de poder político e econômico no mundo e apontaram novas prioridades, gerando oportunidades para o Brasil. Se nossa Universidade está entre as que têm maior projeção no mundo, o dado decisivo é que ela figura entre as cinco primeiras dos países que hoje, mais que antes, estão de fato emergindo.

Neste quadro, o papel da USP pode ser decisivo para que nosso país cresça e assuma o lugar por que todos ansiamos. Para o futuro chegar, a USP precisa mudar. As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais.

A forma de escolha do reitor da USP precisa ser modificada no primeiro ano da futura gestão. É necessário assegurar uma participação mais ampla e representativa do conjunto da universidade na decisão final, sempre com o objetivo de aprimorar a qualidade das atividades-fim da universidade. Novas formas de escolha do reitor devem ser discutidas com a comunidade acadêmica. Seja pelo reforço do atual colégio eleitoral do primeiro turno ou pela sua ampliação, estamos de acordo quanto à premência da mudança, quanto à importância de que qualquer reforma preserve e aumente a qualidade da USP, e quanto a pelo menos a eliminação do atual colégio do segundo turno.

Porém, as mudanças na estrutura do poder são apenas parte das alterações que garantam a melhora da qualidade de nossa instituição. Temos grupos fortes e altamente competitivos, ao lado de grupos incipientes ou que necessitam crescer ou se aperfeiçoar.

A existência de grupos ou cursos de reduzida relevância acadêmica, quer no ensino ou na pesquisa, é sim responsabilidade da reitoria e das diretorias, e exige formas criativas de intervenção por parte das autoridades acadêmicas, visando a garantir que uns mantenham ou ampliem a sua liderança e outros passem a estar à altura da missão da USP. A instituição tem que atuar em conjunto, sinérgica e complementarmente, evitando a competição interna que arrisca desagregar o ethos comum da universidade.

A liderança e a competência intelectual de muitos Professores da USP edificaram a tradição de qualidade desta Universidade. Grupos e cientistas bem sucedidos também trazem significativas contribuições para a universidade, aplicadas em equipamentos, laboratórios, reagentes, instrumentos e bolsas. Mas as dificuldades criadas para infra-estrutura e gestão, acompanhadas muitas vezes de atitudes de rejeição à liderança destes cientistas nas estruturas departamentais, levaram a seu progressivo afastamento da vida da universidade: buscaram isolamento e independência, recorreram a mecanismos ágeis de gestão de recursos extra-universitários.

Esses grupos têm que ser ativamente reincorporados ao funcionamento da instituição, seus líderes precisam receber incumbências compatíveis com sua expressão científica, os entraves administrativos e de gestão de recursos necessitam ser resolvidos e simplificados, para que a própria universidade possa assumir todas ou a maior parte das ações conduzidas por centenas de entidades que a ela vão se somando de forma incontrolada. Essas seriam importantes medidas para conter as forças centrífugas que tendem a desagregar a USP.

A USP tem o maior quadro de pesquisadores e especialistas entre as universidades brasileiras. Não pode isolar-se: sem se partidarizar, tem que dialogar com os governos e com a sociedade que a mantém. Além de sua missão educacional, a USP tem o dever de criar conhecimento, contribuir com soluções e prover especialistas para resolver gargalos e ajudar a promover o desenvolvimento do país.

Os desafios que o Brasil enfrenta são de duas ordens: déficits e oportunidades. O rol de tópicos nos quais a intervenção da USP pode ser de grande valor é muito amplo, e a título de exemplo dos nossos déficits sociais podemos lembrar a violência com suas múltiplas raízes; a desigualdade em todas as suas dimensões; a crescente poluição; o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade (por exemplo, a extinção de línguas indígenas, o estudo de culturas como a coreana e a boliviana, dois povos que estão se incorporando ao nosso dia a dia); o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural; a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social.

Mas a maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, é com relação à educação em todos os níveis.

E há também as grandes oportunidades para o Brasil: podemos ser a primeira potência ambiental do planeta, temos especialistas capazes de liderar os grandes desafios que vão ditar o ritmo do crescimento dos diferentes países, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a geração sustentável de energia, o uso da água. Nossa diversidade cultural pode revelar fontes de riquezas insuspeitas, que podem se converter em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras.

A USP tem uma responsabilidade especial com o ensino de graduação especialmente com a qualidade e com as mudanças necessárias num mundo de profissões mais variadas, de uso intenso de instrumentos de educação a distância, de educação continuada de estudantes, profissionais e professores, com a criação, revisão, fusão e extinção de cursos. Ela deve levar cada vez mais em conta seu papel de propor modelos e iniciativas inovadoras, em lugar de repetir aquilo que outras instituições podem fazer em volume maior. Ela deve renovar a formação universitária, para que nossos alunos enfrentem uma vida que só pode ser abordada de forma interdisciplinar; deve entender que as profissões se multiplicaram e nem sempre estão ancoradas num diploma.

Para isso, a estrutura acadêmica e departamental tem que ser reformada, para se liberar do imobilismo e da burocracia que subordina o mérito ao rito. A burocracia universitária não é produto exclusivamente de uma elite de servidores, mas também do conservadorismo dos professores, especialmente aqueles encastelados em posições administrativas ou em milhares de comissões da universidade ou das unidades. Cabe ao reitor e pró-reitores quebrar a estagnação derivada do exercício cego e repetitivo das rotinas e observância inquestionável de regras que deveriam ser fugazes e transitórias e não transformadas em leis imutáveis.

A USP tem mais que o dobro dos programas de pós-graduação do que a universidade subseqüente. Abrange quase todos os setores do conhecimento em seus mais de 200 programas, 90% deles incluindo doutorado, caracterizados por alta qualidade e liderança. A USP já formou mais de metade dos doutores do Brasil, e hoje titula quase um quarto: essa própria redução é uma das provas de seu sucesso, pois grande parte dos novos programas de pós-graduação são liderados por egressos da USP, que hoje se encontram em todas as unidades da federação e em praticamente todas as universidades brasileiras. O Sistema de Pós-Graduação do Brasil deve seu formato e sucesso atuais em grande medida à USP.

Por isso mesmo, cabe à USP a grande responsabilidade de renovar a pós-graduação. Sem abandonar as metas quantitativas, deve ela focalizar-se nos seus novos desafios, como por exemplo fazer um grande esforço para cursos que extrapolem as barreiras disciplinares clássicas, que lidem com a complexidade do mundo e do saber, em novas formas de articular os grupos de pesquisa e as áreas de pensamento.

Nesta nova visão deve ter um lugar muito proeminente o pós-doutorado, principalmente tendo em vista que os docentes e pesquisadores de todo o sistema brasileiro de pós-graduação, espalhado nas universidades mais tradicionais e naquelas que estão sendo expandidas, precisarão de apoio importante para manter e consolidar suas atividades científicas. Essa talvez seja a contribuição mais relevante que a USP possa dar no futuro para o sistema universitário brasileiro.

A avaliação é instrumento central na de gestão em qualquer instituição, pública ou privada. Avaliação é, também, elemento chave na definição de metas e na prestação de contas à sociedade. Avaliação de metas deve fazer parte da vida diária da USP, em todos os níveis. Não pode ser um fenômeno episódico, um exercício amadorístico, nem ser o foco de pressões de grupos variados dentro da própria universidade para controlar-lhe os desfechos. Deve ser um processo cujo produto final, no lugar de apenas alimentar as páginas dos noticiários, sirva à Reitoria, às diretorias e ao próprio governo para melhorar o desempenho da USP.

Em suma, precisamos de uma universidade dinâmica que, sem abandonar suas raízes, se mostre aberta às mudanças que garantam sua excelência. Seu reitor necessitará de autoridade científica, representatividade acadêmica e compromisso social para fortalecer as boas potencialidades, reunificando a instituição, restaurando-lhe o entusiasmo e o vigor, qualidades que devem estender-se a todos os que venham a participar da gestão.

Somos nós, todos os que se empenham na qualidade universitária, que precisamos dizer como a USP deve ser, e buscar um reitor que tenha compromisso com as melhores idéias e real possibilidade de executá-las. Exortamos nossos colegas a trazer a público suas idéias mais preciosas, seus ideais mais valiosos, para que a sucessão reitoral ultrapasse a simples escolha de um nome e seja a ocasião de se reafirmar a ousadia científica e a responsabilidade social de nossa universidade.


Adalberto Fazzio, Professor Titular do Instituto de Física da USP, Reitor da Universidade Federal do ABC
Glauco A. Truzzi Arbix, Professor Associado de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-Presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)
Hernán Chaimovich Guralnik, Professor Titular do Instituto de Química da USP, , Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Presidente da Rede InterAmericana de Academias de Ciência
Jorge Kalil Filho, Professor Titular da Faculdade de Medicina da USP, Presidente do Conselho diretor do Instituto do Coração (Incor) de São Paulo
Marco Antonio Zago, Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Presidente do CNPq
Renato Janine Ribeiro, Professor Titular de Ética e Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-Diretor de Avaliação da CAPES, Representante dos Professores Titulares da USP no respectivo Conselho Universitário
Vahan Agopyan, Professor Titular e ex-Diretor da Escola Politécnica da USP