sábado, 29 de agosto de 2009

Pesquisa na Universidade Pública?

Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 09/07/2007
Pesquisa na Universidade Pública?
No Brasil, quase a totalidade da pesquisa básica, uma percentagem elevada da pesquisa aplicada e uma parte da inovação é desenvolvida em Universidades públicas. Hoje, estas instituições apresentam estruturas conservadoras, quando não obsoletas, e estão dominadas por forças pouco interessadas pela pesquisa ou a inovação. Este divórcio, estrutural e político, pode chegar a ser um gargalo importante e resultar na criação de outras estruturas, dentro ou fora da universidade, que respondam às demandas da sociedade por pesquisa e inovação para o desenvolvimento socialmente justo e sustentável.
No mundo desenvolvido as universidades de pesquisa, ou de classe mundial, educam uma parcela, de peso relativo variável, dos jovens que recebem ensino superior. A formação diferenciada, caracterizada por um contacto precoce com a criação de conhecimento, individualiza os graduados em universidades de pesquisa. Uma meta estratégica nacional poderia ser passar, nas próximas duas décadas, de 12% para 40% os jovens da faixa etária entre os 17 e os 25 anos matriculados num sistema de ensino superior diferenciado. Este sistema deve incluir as universidades de pesquisa, mas estas não constituem a única parte do sistema. Universidades técnicas, escolas de formação de professores de ensino fundamental, instituições de ensino à distância, faculdades de formação acelerada, entre outras estruturas, devem também ser consideradas quando se pretende expandir o sistema de ensino superior público. Essa estratégia permitiu, em muitos países, ampla cobertura de ensino superior para todos os jovens.
As universidades de pesquisa contemporâneas requerem estruturas ágeis e flexíveis que se adaptem as rápidas mudanças que caracterizam a criação de conhecimento em nosso tempo, mantendo a capacidade de preservar outras que sirvam a tipos distintos de produção cultural. A autonomia destas instituições requer hoje não somente a preservação da liberdade acadêmica, pilar clássico da universidade, mas também, a liberdade de adaptar a estrutura interna a suas necessidades, a agilidade de contratar segundo os seus ritos, o livre-arbítrio de
demitir, a possibilidade de criar parcerias com agentes externos, públicos ou privados. Todas estas ações, em universidades públicas, devem ser socialmente transparentes, sem confundir esta transparência com normas legais adequadas para outros tipos de serviço público. Autonomia requer, pois, a regulamentação dos preceitos constitucionais que tratam dos âmbitos didático-científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial.
Estas linhas de reflexão não encontram eco nem espaço nas associações, sindicais ou não, de estudantes, docentes e funcionários não docentes, ou nos sistemas de gestão das universidades públicas.
Movimentos grevistas, que reúnem estudantes acampados em prédios universitários com alguns docentes e funcionários não docentes, entendem que a luta por autonomia se resume a aumentar poder, salários e subsídios, ou subsídios, salários e poder ou qualquer ordem, sempre que seja somente isso. Na novilíngua destes movimentos o termo “manifestação pacífica” inclui, entre outros significados: ocupação à força; expulsão de professores de sala de aula; piquetes que paralisam aulas, bibliotecas públicas, escolas, transporte, restaurantes e creches; piquetes que congelam atividades de Institutos. A violência, na ótica do movimento grevista, está associada a qualquer ação ou reflexão que se oponha à suas reivindicações. Na pretensa defesa da autonomia (de que tipo de universidade?) estes movimentos contribuem para que as forças que atacam por motivos ideológicos o serviço público se somem as que decretam o fim da pesquisa na universidade pública porque nesta não se oferecem condições para que este país avance com equidade e se desenvolva com sustentabilidade, usando ciência, tecnologia e inovação.
Os sistemas de gestão da universidade, por outro lado, entendem que a autonomia é uma ferramenta para aumentar vagas, como se as poucas universidades que potencialmente são de classe mundial tivessem que competir com as grandes fábricas privadas de diplomas pelo título de “a maior universidade brasileira”. Onde estão, poderia se perguntar, os projetos estratégicos para colocar algumas das nossas universidades públicas entre as primeiras universidades de pesquisa do planeta? Onde se colocam as contrapartidas estruturais que
reconheçam que a pesquisa traz para universidade um acréscimo de recursos que pode chegar a vinte e cinco por cento do orçamento? Bem poderiam os atuais dirigentes se debruçar sobre a responsabilidade das poucas universidades brasileiras com potencial para se transformarem em instituições de classe internacional. Um dos temas de reflexão poderia ser recente editorial da revista Nature (vol. 446, página 949 de 26 de Abril de 2007) que comenta sobre a universidade do futuro, onde as unidades estruturais não são os departamentos, mas centros interdisciplinares que tratam de temas de relevância científica ou social.
Sistemas de pesquisa independentes da universidade existem no mundo: institutos privados ou semipúblicos de pesquisa como na Argentina e institutos de pesquisa ligados a ministérios ou academias, como na França ou na China, constituem exemplos. Estes são apenas algumas das opções que este país deverá considerar se a efervescência corporativa, ou a falta de visão das gestões das universidades públicas, continuar a dificultar a criação de conhecimento dentro da Universidade. Está mais do que na hora que pesquisadores/docentes assumam que o seu silêncio e a sua omissão política, inviabilizam a transformação de suas instituições em universidades de classe mundial.
Hernan Chaimovich
Professor da Universidade de São Paulo

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eleições Diretas

Eleições Diretas
Publicado na Edição Online do Jornal do Campus, Julho 2009
Eleições diretas
por Hernan Chaimovich

A USP não é gratuita, custa ao contribuinte paulista cerca de um bilhão de US$ por ano. Essa soma, transformada em escolas, postos de saúde ou quaisquer outros investimentos, não é pequena em qualquer país do mundo. No Brasil, então! É necessário refletir por que a USP, uma das poucas públicas no Brasil que não escolhe diretamente o reitor, a mais destacada universidade brasileira na visão global, deve continuar a receber este significativo aporte dos contribuintes paulistas. Este investimento é inteiramente justificado se a USP continuar a manter a destacada posição de ser uma das únicas universidades brasileiras de classe mundial. Em 2009 é impensável desenvolvimento justo e sustentável sem que o país tenha um ensino contemporâneo em todos os níveis e, pelo menos, algumas universidades de classe mundial.

Inclusão e democratização no acesso são palavras que têm sido usadas para justificar as demandas para eleição direta. Mas, na minha experiência, democratizar o acesso significa diferenciar o sistema de ensino superior público com mais FATEC´s, ensino a distância e outras formas criativas de inclusão. Não existem dados que permitam sequer vislumbrar qual a relação entre eleição direta para reitor, democratização do acesso, inclusão ou maior inserção social e global desta universidade.

As experiências latino-americanas de fazer da Universidade um foco político/partidário ou revolucionário fracassaram em todos os países onde foram tentadas. A partidarização da Universidade, e não a sua inserção social, foi o resultado obtido no Chile, na Argentina e no Brasil. A Universidade não ensinou melhor quando a direção dos órgãos universitários se deu por eleição direta. Não existem exemplos onde Universidades dirigidas por reitores, diretores e chefes de departamento eleitos diretamente façam melhor pesquisa ou sirvam de modo mais eficiente à sociedade que as mantém. Exemplos onde o fazer universitário se degrada após eleições diretas são abundantes.

Numa eleição direta na Universidade, as promessas corporativas, partidárias e/ou revolucionárias têm precedência sobre as acadêmicas. As promessas acadêmicas, respeitando o uso do dinheiro público, implicam mais trabalho para todo mundo e podem incorporar idéias como, por exemplo: professor que não ensina e pesquisa, bem como aluno que não se esforça, devem ser transferidos para um sistema não financiado pelo Estado. Isso encontra pouca ressonância nas corporações de professores, alunos e funcionários.

Se a universidade não pode servir como instrumento dos grandes grupos econômicos e tem que direcionar o seu atendimento às demandas sociais, a responsabilidade não pode ser atribuída tão somente à Universidade. A definição de política educacional-científico-tecnológica-industrial passa necessariamente pelo Estado e a sociedade através de seus representantes. É no Executivo, no Congresso e nas Assembléias onde a política deve ser definida. A universidade, no seu campo específico de atuação e mantendo a autonomia a duras penas conquistada, é (ou deveria ser) um dos instrumentos de mudança.

Continuo acreditando na necessidade de aumentar a politização dos que estudam e trabalham na USP. Mas, a meu ver, a eleição direta para Reitor partidariza sem politizar e, sobretudo, desloca o discurso e cristaliza as corporações. Cristalizar corporações de professores, alunos ou funcionários sempre resultará em posições conservadoras, pois estas resistirão a qualquer tipo de mudança que não seja conveniente ao seu particular interesse. Existe posição mais conservadora que a resistência ao ensino à distância sob o pretexto de uma qualidade do ensino mal definida?
Mantendo a minha posição contrária a eleição direta, não acredito que o atual sistema de escolha de Reitor seja mais conveniente para a USP.

Minimamente, o segundo turno deveria ser eliminado para garantir o peso político das representações acadêmicas existentes nas congregações. Quiçá assim o Governador poderia escolher o Reitor de uma lista tríplice mais articulada com propostas acadêmicas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Reportagem da Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman escreve para a "Folha de SP":

Um grupo de sete notáveis da USP está lançando um manifesto em que cobra alterações estruturais na universidade e exorta professores a participarem mais do processo de sucessão reitoral, que se inicia agora.

Assinam o documento, intitulado "A USP precisa mudar", os seguintes professores: Adalberto de Fazzio, do Instituto de Física; Glauco A. Truzzi Arbix, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Hernán Chaimovich Guralnik, do Instituto de Química; Jorge Kalil Filho, da Faculdade de Medicina; Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; e Vahan Agopyan, da Escola Politécnica.

O manifesto aponta a necessidade de a USP se modernizar sem perder suas "tradições de qualidade". "As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais", diz o texto.

O movimento surge pouco depois de uma greve seguida de ocupação do campus de São Paulo pela Polícia Militar (a pedido da reitoria) que lançou a USP numa espécie de crise de identidade. O subproduto positivo do episódio é que ganharam maior evidência discussões existenciais sobre o papel da universidade, que vão desde a legitimidade das associações sindicais até a forma de eleição para reitor, passando por questões estratégicas como excelência acadêmica e avaliação.

O grupo considera que o processo eleitoral, previsto para terminar em outubro, é uma excelente oportunidade para melhorar o nível do debate, levando os candidatos a posicionar-se sobre os mais variados temas e definindo quais são os consensos que estão além de candidaturas individuais.

Em relação especificamente à escolha do reitor, o movimento defende a eliminação do colégio eleitoral do segundo turno, do qual participam apenas 256 professores muito próximos da reitoria. "O processo atual é altamente insatisfatório", diz Marco Antonio Zago, um dos articuladores do movimento. A alternativa proposta é o colégio eleitoral do primeiro turno, com 1.200 ou 1.300 membros, ou uma versão ainda mais ampliada.

O texto pede que uma nova forma de escolha seja efetivada já no primeiro ano da próxima gestão, para funcionar na eleição subsequente à deste ano.

Renato Janine Ribeiro, outro dos organizadores, enfatiza a questão da qualidade. "Muito do debate se tem centrado na forma de escolher o reitor, que é muito importante, mas é apenas um meio. O fim é o aumento da qualidade, o enfrentamento do que chamamos de déficits e o aproveitamento do que chamamos de oportunidades", afirma o professor.

O grupo insiste fortemente na necessidade de reforçar os mecanismos de avaliação como forma de garantir a excelência acadêmica. "Não há um processo de avaliação forte, permanente e profundo. E o pouco que há é sempre visto como algo para prejudicar, punir e perseguir", lamenta Zago.

Um dos problemas graves apontados pelo movimento é o que os signatários chamam de "forças centrífugas que tendem a desagregar a USP". Pesquisadores de mais sucesso acabam se isolando e, através das fundações e outros mecanismos, batalham sozinhos por financiamento para seus projetos.

A ideia de universidade como "universitas" (o todo, o universo) perde o sentido, explica Ribeiro. Para ele, essa tendência pode ser combatida com mais liderança acadêmica, em especial de parte da reitoria, e com mais autonomia para as unidades. "O modelo da USP é muito centralizador", queixa-se.

Outro alvo do movimento é a burocratização, que, nas palavras do documento "subordina o mérito ao rito". É função da reitoria, diz o texto, "quebrar a estagnação".

O documento também menciona a necessidade de a USP abrir-se mais para a sociedade, participando da solução de problemas e fornecendo os quadros necessários para enfrentá-los. Pede uma renovação do sistema de pós-graduação que aposte na interdisciplinaridade e em novas formas de articular grupos de pesquisa.

Questionados sobre candidaturas, tanto Zago como Ribeiro afirmaram que, hoje, nenhum dos signatários tem planos de postular o cargo de reitor.

Manifesto A USP precisa mudar

A USP precisa mudar

A Universidade precisa mudar. A USP precisa modernizar-se sem perder suas tradições de qualidade. A USP precisa assumir suas responsabilidades para com a sociedade que a mantém. O momento de escolha do novo reitor é um momento apropriado para levantar idéias - para pensar grande! Não importa qual candidato cada um de nós irá apoiar: quem for eleito deve garantir a excelência de nossa instituição num quadro novo do mundo e do conhecimento, combinando a tradição de qualidade da USP com a agilidade necessária no mundo moderno.

As mudanças globais acentuadas pela recente crise criaram novos eixos de poder político e econômico no mundo e apontaram novas prioridades, gerando oportunidades para o Brasil. Se nossa Universidade está entre as que têm maior projeção no mundo, o dado decisivo é que ela figura entre as cinco primeiras dos países que hoje, mais que antes, estão de fato emergindo.

Neste quadro, o papel da USP pode ser decisivo para que nosso país cresça e assuma o lugar por que todos ansiamos. Para o futuro chegar, a USP precisa mudar. As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais.

A forma de escolha do reitor da USP precisa ser modificada no primeiro ano da futura gestão. É necessário assegurar uma participação mais ampla e representativa do conjunto da universidade na decisão final, sempre com o objetivo de aprimorar a qualidade das atividades-fim da universidade. Novas formas de escolha do reitor devem ser discutidas com a comunidade acadêmica. Seja pelo reforço do atual colégio eleitoral do primeiro turno ou pela sua ampliação, estamos de acordo quanto à premência da mudança, quanto à importância de que qualquer reforma preserve e aumente a qualidade da USP, e quanto a pelo menos a eliminação do atual colégio do segundo turno.

Porém, as mudanças na estrutura do poder são apenas parte das alterações que garantam a melhora da qualidade de nossa instituição. Temos grupos fortes e altamente competitivos, ao lado de grupos incipientes ou que necessitam crescer ou se aperfeiçoar.

A existência de grupos ou cursos de reduzida relevância acadêmica, quer no ensino ou na pesquisa, é sim responsabilidade da reitoria e das diretorias, e exige formas criativas de intervenção por parte das autoridades acadêmicas, visando a garantir que uns mantenham ou ampliem a sua liderança e outros passem a estar à altura da missão da USP. A instituição tem que atuar em conjunto, sinérgica e complementarmente, evitando a competição interna que arrisca desagregar o ethos comum da universidade.

A liderança e a competência intelectual de muitos Professores da USP edificaram a tradição de qualidade desta Universidade. Grupos e cientistas bem sucedidos também trazem significativas contribuições para a universidade, aplicadas em equipamentos, laboratórios, reagentes, instrumentos e bolsas. Mas as dificuldades criadas para infra-estrutura e gestão, acompanhadas muitas vezes de atitudes de rejeição à liderança destes cientistas nas estruturas departamentais, levaram a seu progressivo afastamento da vida da universidade: buscaram isolamento e independência, recorreram a mecanismos ágeis de gestão de recursos extra-universitários.

Esses grupos têm que ser ativamente reincorporados ao funcionamento da instituição, seus líderes precisam receber incumbências compatíveis com sua expressão científica, os entraves administrativos e de gestão de recursos necessitam ser resolvidos e simplificados, para que a própria universidade possa assumir todas ou a maior parte das ações conduzidas por centenas de entidades que a ela vão se somando de forma incontrolada. Essas seriam importantes medidas para conter as forças centrífugas que tendem a desagregar a USP.

A USP tem o maior quadro de pesquisadores e especialistas entre as universidades brasileiras. Não pode isolar-se: sem se partidarizar, tem que dialogar com os governos e com a sociedade que a mantém. Além de sua missão educacional, a USP tem o dever de criar conhecimento, contribuir com soluções e prover especialistas para resolver gargalos e ajudar a promover o desenvolvimento do país.

Os desafios que o Brasil enfrenta são de duas ordens: déficits e oportunidades. O rol de tópicos nos quais a intervenção da USP pode ser de grande valor é muito amplo, e a título de exemplo dos nossos déficits sociais podemos lembrar a violência com suas múltiplas raízes; a desigualdade em todas as suas dimensões; a crescente poluição; o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade (por exemplo, a extinção de línguas indígenas, o estudo de culturas como a coreana e a boliviana, dois povos que estão se incorporando ao nosso dia a dia); o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural; a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social.

Mas a maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, é com relação à educação em todos os níveis.

E há também as grandes oportunidades para o Brasil: podemos ser a primeira potência ambiental do planeta, temos especialistas capazes de liderar os grandes desafios que vão ditar o ritmo do crescimento dos diferentes países, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a geração sustentável de energia, o uso da água. Nossa diversidade cultural pode revelar fontes de riquezas insuspeitas, que podem se converter em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras.

A USP tem uma responsabilidade especial com o ensino de graduação especialmente com a qualidade e com as mudanças necessárias num mundo de profissões mais variadas, de uso intenso de instrumentos de educação a distância, de educação continuada de estudantes, profissionais e professores, com a criação, revisão, fusão e extinção de cursos. Ela deve levar cada vez mais em conta seu papel de propor modelos e iniciativas inovadoras, em lugar de repetir aquilo que outras instituições podem fazer em volume maior. Ela deve renovar a formação universitária, para que nossos alunos enfrentem uma vida que só pode ser abordada de forma interdisciplinar; deve entender que as profissões se multiplicaram e nem sempre estão ancoradas num diploma.

Para isso, a estrutura acadêmica e departamental tem que ser reformada, para se liberar do imobilismo e da burocracia que subordina o mérito ao rito. A burocracia universitária não é produto exclusivamente de uma elite de servidores, mas também do conservadorismo dos professores, especialmente aqueles encastelados em posições administrativas ou em milhares de comissões da universidade ou das unidades. Cabe ao reitor e pró-reitores quebrar a estagnação derivada do exercício cego e repetitivo das rotinas e observância inquestionável de regras que deveriam ser fugazes e transitórias e não transformadas em leis imutáveis.

A USP tem mais que o dobro dos programas de pós-graduação do que a universidade subseqüente. Abrange quase todos os setores do conhecimento em seus mais de 200 programas, 90% deles incluindo doutorado, caracterizados por alta qualidade e liderança. A USP já formou mais de metade dos doutores do Brasil, e hoje titula quase um quarto: essa própria redução é uma das provas de seu sucesso, pois grande parte dos novos programas de pós-graduação são liderados por egressos da USP, que hoje se encontram em todas as unidades da federação e em praticamente todas as universidades brasileiras. O Sistema de Pós-Graduação do Brasil deve seu formato e sucesso atuais em grande medida à USP.

Por isso mesmo, cabe à USP a grande responsabilidade de renovar a pós-graduação. Sem abandonar as metas quantitativas, deve ela focalizar-se nos seus novos desafios, como por exemplo fazer um grande esforço para cursos que extrapolem as barreiras disciplinares clássicas, que lidem com a complexidade do mundo e do saber, em novas formas de articular os grupos de pesquisa e as áreas de pensamento.

Nesta nova visão deve ter um lugar muito proeminente o pós-doutorado, principalmente tendo em vista que os docentes e pesquisadores de todo o sistema brasileiro de pós-graduação, espalhado nas universidades mais tradicionais e naquelas que estão sendo expandidas, precisarão de apoio importante para manter e consolidar suas atividades científicas. Essa talvez seja a contribuição mais relevante que a USP possa dar no futuro para o sistema universitário brasileiro.

A avaliação é instrumento central na de gestão em qualquer instituição, pública ou privada. Avaliação é, também, elemento chave na definição de metas e na prestação de contas à sociedade. Avaliação de metas deve fazer parte da vida diária da USP, em todos os níveis. Não pode ser um fenômeno episódico, um exercício amadorístico, nem ser o foco de pressões de grupos variados dentro da própria universidade para controlar-lhe os desfechos. Deve ser um processo cujo produto final, no lugar de apenas alimentar as páginas dos noticiários, sirva à Reitoria, às diretorias e ao próprio governo para melhorar o desempenho da USP.

Em suma, precisamos de uma universidade dinâmica que, sem abandonar suas raízes, se mostre aberta às mudanças que garantam sua excelência. Seu reitor necessitará de autoridade científica, representatividade acadêmica e compromisso social para fortalecer as boas potencialidades, reunificando a instituição, restaurando-lhe o entusiasmo e o vigor, qualidades que devem estender-se a todos os que venham a participar da gestão.

Somos nós, todos os que se empenham na qualidade universitária, que precisamos dizer como a USP deve ser, e buscar um reitor que tenha compromisso com as melhores idéias e real possibilidade de executá-las. Exortamos nossos colegas a trazer a público suas idéias mais preciosas, seus ideais mais valiosos, para que a sucessão reitoral ultrapasse a simples escolha de um nome e seja a ocasião de se reafirmar a ousadia científica e a responsabilidade social de nossa universidade.


Adalberto Fazzio, Professor Titular do Instituto de Física da USP, Reitor da Universidade Federal do ABC
Glauco A. Truzzi Arbix, Professor Associado de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-Presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)
Hernán Chaimovich Guralnik, Professor Titular do Instituto de Química da USP, , Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Presidente da Rede InterAmericana de Academias de Ciência
Jorge Kalil Filho, Professor Titular da Faculdade de Medicina da USP, Presidente do Conselho diretor do Instituto do Coração (Incor) de São Paulo
Marco Antonio Zago, Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Presidente do CNPq
Renato Janine Ribeiro, Professor Titular de Ética e Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ex-Diretor de Avaliação da CAPES, Representante dos Professores Titulares da USP no respectivo Conselho Universitário
Vahan Agopyan, Professor Titular e ex-Diretor da Escola Politécnica da USP