Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 09/07/2007
Pesquisa na Universidade Pública?
No Brasil, quase a totalidade da pesquisa básica, uma percentagem elevada da pesquisa aplicada e uma parte da inovação é desenvolvida em Universidades públicas. Hoje, estas instituições apresentam estruturas conservadoras, quando não obsoletas, e estão dominadas por forças pouco interessadas pela pesquisa ou a inovação. Este divórcio, estrutural e político, pode chegar a ser um gargalo importante e resultar na criação de outras estruturas, dentro ou fora da universidade, que respondam às demandas da sociedade por pesquisa e inovação para o desenvolvimento socialmente justo e sustentável.
No mundo desenvolvido as universidades de pesquisa, ou de classe mundial, educam uma parcela, de peso relativo variável, dos jovens que recebem ensino superior. A formação diferenciada, caracterizada por um contacto precoce com a criação de conhecimento, individualiza os graduados em universidades de pesquisa. Uma meta estratégica nacional poderia ser passar, nas próximas duas décadas, de 12% para 40% os jovens da faixa etária entre os 17 e os 25 anos matriculados num sistema de ensino superior diferenciado. Este sistema deve incluir as universidades de pesquisa, mas estas não constituem a única parte do sistema. Universidades técnicas, escolas de formação de professores de ensino fundamental, instituições de ensino à distância, faculdades de formação acelerada, entre outras estruturas, devem também ser consideradas quando se pretende expandir o sistema de ensino superior público. Essa estratégia permitiu, em muitos países, ampla cobertura de ensino superior para todos os jovens.
As universidades de pesquisa contemporâneas requerem estruturas ágeis e flexíveis que se adaptem as rápidas mudanças que caracterizam a criação de conhecimento em nosso tempo, mantendo a capacidade de preservar outras que sirvam a tipos distintos de produção cultural. A autonomia destas instituições requer hoje não somente a preservação da liberdade acadêmica, pilar clássico da universidade, mas também, a liberdade de adaptar a estrutura interna a suas necessidades, a agilidade de contratar segundo os seus ritos, o livre-arbítrio de
demitir, a possibilidade de criar parcerias com agentes externos, públicos ou privados. Todas estas ações, em universidades públicas, devem ser socialmente transparentes, sem confundir esta transparência com normas legais adequadas para outros tipos de serviço público. Autonomia requer, pois, a regulamentação dos preceitos constitucionais que tratam dos âmbitos didático-científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial.
Estas linhas de reflexão não encontram eco nem espaço nas associações, sindicais ou não, de estudantes, docentes e funcionários não docentes, ou nos sistemas de gestão das universidades públicas.
Movimentos grevistas, que reúnem estudantes acampados em prédios universitários com alguns docentes e funcionários não docentes, entendem que a luta por autonomia se resume a aumentar poder, salários e subsídios, ou subsídios, salários e poder ou qualquer ordem, sempre que seja somente isso. Na novilíngua destes movimentos o termo “manifestação pacífica” inclui, entre outros significados: ocupação à força; expulsão de professores de sala de aula; piquetes que paralisam aulas, bibliotecas públicas, escolas, transporte, restaurantes e creches; piquetes que congelam atividades de Institutos. A violência, na ótica do movimento grevista, está associada a qualquer ação ou reflexão que se oponha à suas reivindicações. Na pretensa defesa da autonomia (de que tipo de universidade?) estes movimentos contribuem para que as forças que atacam por motivos ideológicos o serviço público se somem as que decretam o fim da pesquisa na universidade pública porque nesta não se oferecem condições para que este país avance com equidade e se desenvolva com sustentabilidade, usando ciência, tecnologia e inovação.
Os sistemas de gestão da universidade, por outro lado, entendem que a autonomia é uma ferramenta para aumentar vagas, como se as poucas universidades que potencialmente são de classe mundial tivessem que competir com as grandes fábricas privadas de diplomas pelo título de “a maior universidade brasileira”. Onde estão, poderia se perguntar, os projetos estratégicos para colocar algumas das nossas universidades públicas entre as primeiras universidades de pesquisa do planeta? Onde se colocam as contrapartidas estruturais que
reconheçam que a pesquisa traz para universidade um acréscimo de recursos que pode chegar a vinte e cinco por cento do orçamento? Bem poderiam os atuais dirigentes se debruçar sobre a responsabilidade das poucas universidades brasileiras com potencial para se transformarem em instituições de classe internacional. Um dos temas de reflexão poderia ser recente editorial da revista Nature (vol. 446, página 949 de 26 de Abril de 2007) que comenta sobre a universidade do futuro, onde as unidades estruturais não são os departamentos, mas centros interdisciplinares que tratam de temas de relevância científica ou social.
Sistemas de pesquisa independentes da universidade existem no mundo: institutos privados ou semipúblicos de pesquisa como na Argentina e institutos de pesquisa ligados a ministérios ou academias, como na França ou na China, constituem exemplos. Estes são apenas algumas das opções que este país deverá considerar se a efervescência corporativa, ou a falta de visão das gestões das universidades públicas, continuar a dificultar a criação de conhecimento dentro da Universidade. Está mais do que na hora que pesquisadores/docentes assumam que o seu silêncio e a sua omissão política, inviabilizam a transformação de suas instituições em universidades de classe mundial.
Hernan Chaimovich
Professor da Universidade de São Paulo
sábado, 29 de agosto de 2009
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