terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dez teses de Glauco Arbix sobre a Universidade

Dez Teses para a Universidade Brasileira

Glauco Arbix

[1]

A Universidade brasileira está mais do que nunca convidada a aprofundar e refinar sua sintonia com os esforços do País na busca do desenvolvimento. Erra, no entanto, quem acredita ingenuamente que essa missão é assumida com tranqüilidade pela comunidade acadêmica. No mundo todo a universidade enfrenta enormes dificuldades para desempenhar os novos papéis a que tem sido chamada. Num certo sentido, vive imersa em um grande paradoxo: centro produtor por excelência de conhecimento novo, encontra-se despreparada para dar conta da explosão de conhecimento que transforma ensino e pesquisa, ciência e tecnologia, assim como todos os processos de inovação que sacodem as sociedades no mundo todo.

O conhecimento sempre ocupou lugar de destaque na história da humanidade, é certo. Mas a realidade de hoje é muito distinta do passado longínquo e também de vinte ou trinta anos atrás. A emergência de um mundo em que a informação e o conhecimento são produzidos, articulados e oferecidos de um modo novo, em gigantescos volumes e com enorme rapidez, questiona os limites, a atuação e o modo de produção universitária. Sua missão, estrutura, organização e funcionamento mostram-se inadequados e pedem remodelagem institucional, alteração de hábitos e liberdade para o florescimento de novos centros de dinamismo, uma vez que as relações (i) no interior das Universidades, (ii) entre as Universidades, (iii) entre a Universidade e as Empresas, (iv) entre a Universidade e o País, assim como (v) entre a Universidade e o Mundo, estão imersas em enorme tensão.

As nações e suas economias são cada vez mais moldadas pelos avanços do conhecimento, o que abre novas oportunidades e coloca novos desafios para todos os países, avançados ou emergentes. Competidores diretos do Brasil, como a China e a Índia, armam-se para facilitar a transição para um novo paradigma de desenvolvimento, em que o conhecimento ocupa lugar central na produção e reprodução das suas relações econômicas e sociais. Como não poderia deixar de ser, nessa situação, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação estão no coração das novas estratégias competitivas. E o Brasil? Até que ponto avançamos nessa direção? Qual é a qualidade da contribuição acadêmica para a transformação do país? Para além dos discursos de ocasião, como se dá a reflexão acadêmica sobre a Academia? Estamos abertos para acolher e estimular as novas gerações de pesquisadores e de saberes? As novas malhas e articulações? Ou a entrar em sintonia fina com os esforços do país para livrar-se do atraso secular?

De um modo geral, a resposta é Não. Na maior parte das vezes não temos preparo e nem agilidade para a mudança. Muitas vezes sequer queremos mudar. Mas no mundo rico e diversificado da universidade, há muita mudança e transformação. Essa é a riqueza maior que deve ser cultivada com carinho. Pois fornece alento e apoio para o reordenamento institucional que deve nortear a Universidade brasileira hoje. Para isso, expomos dez teses. Intencionalmente, questões-chave como salários, carreiras e mesmo financiamento da atividade acadêmica de pesquisa, ensino e aprendizagem foram deixadas para outro momento.

Tese 1: Novas Alianças

Os novos fluxos de conhecimento e a natureza atual da produção científica questionam as fronteiras tradicionais da Academia. A estrutura e as redes de produção de conhecimento invadiram as áreas mais remotas das sociedades. Criaram novos ambientes – e não apenas laboratórios –, novos agrupamentos e comunidades que diversificaram a produção de conhecimento. Além de centro produtor e difusor de conhecimento novo, a Universidade brasileira está chamada a multiplicar as alianças intelectuais, dentro e fora do ambiente acadêmico.

Tese 2: Remodelagem Institucional

O arco das disciplinas continua sendo peça chave para a pesquisa. O mesmo não ocorre com a estrutura de Departamentos. As “caixinhas departamentais” reforçam a visão da Universidade como arquipélago e dificultam sua ação institucional. Estão ossificadas. Jogam contra a articulação dos saberes. Resistem às novas dimensões do conhecimento e às redes interdisciplinares.

Tese 3: Programas Interinstitucionais

A mobilidade docente e discente entre universidades é cada vez mais fundamental. No Brasil a mobilidade docente é quase inexistente. E a discente baixa. Para avançar na miscigenação de saberes, é preciso permitir, facilitar e estimular o trânsito de alunos professores entre Universidades brasileiras, assim como potencializar e ampliar os programas de intercâmbio no Exterior.

Tese 4: Mão Dupla

As empresas estão no centro das atenções dos países avançados e dos nossos concorrentes mais próximos. Se antes a cooperação universidade-empresa era importante, hoje é vital. Para as empresas e para a universidade. Para as empresas porque a Universidade ajuda a elevar sua competitividade. Para a universidade porque oxigena suas artérias. Foi-se o tempo em que o conhecimento fluía apenas da universidade para a sociedade.

Tese 5: Pesquisa de Padrão Mundial

Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação são peças essenciais nas estratégias de desenvolvimento. Para participar desse esforço, a Universidade brasileira deve perseguir uma Pesquisa de Classe mundial. Isso significa dotar-se de mecanismos de estímulo à melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa, assim como de aferição, acompanhamento e avaliação permanente. A elaboração de indicadores de inovação e qualidade permite a comparabilidade internacional e a análise da trajetória nacional ao longo do tempo. A busca e a utilização dos padrões mais avançados, do saber e dos sensores de fronteira deve ser preocupação permanente e generalizada.

Tese 6: A Todo Vapor

O Brasil possui aproximadamente 3 mil instituições de ensino superior, 24 mil cursos de graduação e 3 mil de pós-graduação stricto senso. De 1996 e 2006 o País praticamente duplicou o número de matrículas em mestrado e doutorado e mais do que triplicou o número dos que completam esses cursos. Avançamos, é certo. Mas é possível e necessário avançar muito mais no acesso e na qualidade das nossas instituições. Atualmente, apenas 11% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados em cursos superiores, um dos mais baixos da América Latina. A Universidade, em especial a pública, deve se reordenar para estabelecer claramente seu compromisso de elevar o padrão de acesso assim como a qualidade da pesquisa, ensino e aprendizagem.

Dados da CAPES, porém, indicam também problemas de natureza distinta do acesso. Mais de 40% dos alunos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em 2006 estavam matriculados na área de ciências humanas e sociais aplicadas, enquanto que apenas 8,8%, 8,5%, 14,3%, 16% e 10,4% estavam matriculados, respectivamente, em ciências exatas e da terra, ciências biológicas, engenharias e informática, ciências da saúde e ciências agrárias. Se comparados aos de 1987, com exceção das ciências humanas, sociais aplicadas e ciências da saúde, todos os demais percentuais apresentaram redução. Entre os doutores, os dados indicam que houve pequena oscilação positiva nas áreas de exatas, biológicas, engenharias, informática e saúde. A única exceção foi nas ciências agrárias, em que houve expressivos avanços. Ou seja, é verdade que nos últimos 20 anos foi enorme a expansão da pós-graduação. Mas, em grande medida, o crescimento se deu em áreas do conhecimento pouco expressivas para o avanço da inovação tecnológica. Não se trata de desprezar o potencial para o desenvolvimento da área de humanas. O problema aqui é de outra ordem, e diz respeito à capacidade do País de sustentar sua atividade econômica em todos os níveis, sem a qual não haverá desenvolvimento.

Tese 7: Transparência

A Universidade tem a obrigação de transferir para a sociedade os frutos de sua atividade acadêmica. Para tanto, deve respirar e transpirar autonomia, que também é o oxigênio do pesquisador. No entanto, autonomia não pode ser biombo nem plataforma para o corporativismo e o enclausuramento conservador. A Universidade não está acima nem fora da sociedade. A prestação transparente de suas contas, a exposição cristalina de seus investimentos e a utilização judiciosa dos recursos públicos são obrigações de uma Universidade que deseja o avanço do conhecimento e a transformação da sociedade.

Tese 8: Meritocracia

A promoção por tempo de casa e os benefícios por antiguidade são avessos á competição saudável que deve existir na geração de conhecimento novo. A introdução de sistemas meritocráticos para nortear remuneração, carreiras e promoções é fundamental para o salto de qualidade que a Universidade brasileira – em especial a pública – declara querer.

Tese 9: Universidade Sem Fronteiras

A construção de novas articulações e redes de conhecimento deve ser a marca de uma Universidade que se repensa e moderniza. A diversificação de suas relações expõe uma instituição aberta e sem fronteiras. Em todas as suas dimensões, seja estadual, regional, nacional e internacional. A construção de uma Rede Mundial de Pesquisadores brasileiros, posicionados em centros de pesquisa pelo mundo afora, pode ser instrumento revitalizador da Universidade. Sua contribuição para o desenvolvimento nacional, enquanto pesquisadores no exterior, pode abrir um novo capítulo na história do pensamento científico brasileiro. A USP poderia ser a sede do portal Brasil-Global.

Tese 10: Sintonia com o País

Em todo o mundo a Universidade está convidada á repensar sua institucionalidade, missão e operação. Está chamada a se redefinir e se adaptar às mudanças. A manutenção de sua autonomia é chave para a geração de conhecimento novo. A questão primordial que está colocada para a comunidade acadêmica é a de aumentar a relevância econômica e social da sua agenda de pequisa. Não é o Estado nem os governos que devem interferir na sua agenda de pesquisa. Mas é a comunidade acadêmica que deve questionar e repensar sua própria pauta e a relevância de sua ação para o desenvolvimento do País.



[1] Professor Livre Docente do Depto. de Sociologia, FFLCH. Coordenador do Observatório da inovação do IEA-USP. Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

2 comentários:

  1. Caro Glauco, concordo com as teses - mas gostaria de fazer duas observações. Primeira, não sei se conseguiremos aumentar muito a quantidade de alunos da graduação. O porcentual é baixo, sim, mas, quando aumenta o número, vê-se que muitos não têm condições de acompanhar os cursos! Ou seja, receio muito que as vagas hoje existentes na graduação correspondam mais ou menos ao número de alunos capazes de cursar razoavelmente o ensino superior. O que tem de ser feito? Duas coisas: 1) melhorar o ensino médio, a ponto de seus alunos poderem ingressar no ensino superior sem traumas para eles mesmos; 2) investir no ensino a distância, com geração de conteúdos de qualidade, porque este pode ter um público de alunos mais velhos, mais maduros, isto é, pessoas que não tiveram ocasião de cursar o presencial mas que hoje têm conhecimentos e formação suficientes para cursar adequadamente o ensino superior. Mais que isso, penso que temos, como país, uma dívida com estas pessoas a quem foi negado o acesso ao ensino superior.

    O segundo comentário corrige um pouco o primeiro, ou o qualifica. Na verdade, é possível que os alunos de ensino superior estejam na quantidade suficiente, mas isso não quer dizer que estejam distribuídos adequadamente pelas carreiras - como vc comenta sobre a inflação, p ex, de cursos e alunos nas C. Sociais Aplicadas (sobretudo Direito e Administração). Talvez um foco maior em outros cursos, com os mesmos alunos sendo orientados para eles, fosse uma política importante. Talvez o ideal fosse a própria universidade fazer workshops ou reuniões amplas com possíveis vestibulandos, para orientá-los no rumo que mais seja adequado a eles e ao país.
    Eu pessoalmente, como vc sabe e os outros também, defendo cursos superiores não-profissionalizantes sempre que possível. Com exceção das áreas de saúde, engenharia, direito e talvez alguma outra que coloque em risco as pessoas, penso que a formação universitária não deve ter por meta uma profissão, mas deve ser ampla - para que, numa sociedade de paisagens profissionais cambiantes, ninguém fique atado ao diploma que obteve. Um diploma tem de ser algo que agregue conhecimento e capacite para a ação, não algo que prenda saber e ação a um único campo profissional.
    Um abraço!
    Renato

    ResponderExcluir

  2. ¯\_(ツ)_/¯
    2017: a todos do blog, que fiquem atentos à picaretagem em 2017 & que vossas mentes permaneçam rápidas perante ao ilusionismo do PT.
    Um sublime 2017!

    Viva 2016!

    Em 2016 houve fato fabuloso sim, apesar de Vanessa Grazziotin falar que não, dessa forma equivocada assim:
    “O ano de 2016 é, sem dúvida, daqueles que dificilmente será esquecido. Ficará marcado na história pelos acontecimentos negativos ocorridos no Brasil e no mundo. Esse é o sentimento das pessoas”, diz Grazziotin.

    Mas, por outro lado, nem que seja apenas 1 fato positivo houve sim! É claro! Mesmo que seja, somente e só, um ato notável, de êxito. Extraordinário. Onde a sociedade se mostrou. Divino. Que ficará na história para sempre, para o início de um horizonte progressista do Brasil, na vida cultural, na artística, na esfera política, e na econômica.

    Que jamais será esquecido tal nascer dos anos a partir de 2016, apontando para frente. Ano em orientação à alta-cultura. Acontecimento esse verdadeiramente um marco histórico prodigioso. Tal ação acorrida em 2016 ocasionou o triunfo sobre a incompetência. Incrementando sim o Brasil em direção a modernidade, a reformas e mudanças positivas e progressistas. Enfim: admirável.

    Qual foi, afinal, essa ação sui-generis?
    Tal fato luminoso foi o:

    — «Tchau querida!»*

    [ (*) a «Coração Valente©» do João Santana; criada, estimulada e consumida. Uma espécie de Danoninho© ‘vale por um bifinho’. ATENÇÃO: eu disse Jo-ã-o SAN-TA-NA].

    Eis aí um momento progressista, no ano de 2016. Sem PeTê. Sem baranguice. Sem política kitsch.

    A volta de decoro ao Brasil. Basta de porralouquice.

    ResponderExcluir