sábado, 17 de outubro de 2009

Resposta do prof. Francisco Miraglia

Respostas às questões formuladas pelos signatários do manifesto A USP precisa mudar

I. Um programa para Reitor pressupõe uma concepção de educação e de universidade que oriente a elaboração de um projeto de Universidade.

Concebemos a Educação Pública e Gratuita como direito social inalienável e, como tal, constitui-se em obrigação do Estado, não podendo ser considerado um serviço ou mercadoria. Concebemos a Universidade Pública como uma das instâncias nas quais se deve promover, de forma integrada, a capacitação ao trabalho e a reflexão crítica sobre a sociedade na qual está inserida, bem como a produção do conhecimento, o desenvolvimento e a democratização do saber, em todas as áreas da atividade humana.

Essa concepção exige que ela esteja atenta aos anseios e necessidades da maioria da população, contribuindo para a correção da imensa injustiça social que caracteriza a sociedade brasileira: oriente-se por um plano periódico de prioridades no qual as grandes questões nacionais estejam contempladas; seja autônoma em relação ao Estado e aos governos, pautando-se pela liberdade de pensamento e informação, sendo vedada toda e qualquer forma de censura ou discriminação de natureza filosófica, religiosa, ideológica, política, étnica ou sexual.

Para tanto essa Universidade deve se organizar de modo a:

  1. desenvolver suas funções básicas de ensino, pesquisa e extensão à comunidade de forma indissociável, harmônica e interdisciplinar;
  2. preservar sua gratuidade e autonomia nos níveis administrativo, acadêmico, pedagógico, científico e no gerenciamento de insumos e recursos;
  3. manter seu caráter público e a transparência no modo de funcionamento, em suas deliberações e na destinação de sua produção e no acesso; é fundamental tomar providências urgentes para decentralizar e desburocratizar a administração da universidade;
  4. prestar serviços à sociedade que a mantém, priorizando os setores públicos essenciais, com vistas a propor soluções para os problemas que atingem a maioria da população;
  5. desenvolver projetos de extensão, intrinsecamente ligados ao ensino e pesquisa nela produzidos;
  6. propiciar a integração e sistematização de conhecimentos e experiências, evitando o fracionamento e a desarticulação do trabalho funcional, acadêmico e científico.

Para garantir a qualidade dessas funções é necessário que a Universidade tenha:

  1. o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) como o regime preferencial de trabalho na Universidade, proporcionando condições favoráveis à consecução de seus objetivos;
  2. a carreira docente de estrutura simples, na qual a ascensão seja alcançada por meio de títulos obtidos em concursos e/ou processos públicos de avaliação por bancas qualificadas;
  3. a carreira funcional de estrutura simples e adequada ao trabalho desenvolvido na Universidade, com critérios claros e amplamente debatidos de ascensão.

II. A estrutura de poder autoritária e centralizadora, hoje presente na USP, não é compatível com essa concepção e objetivos. É, portanto, fundamental a realização de uma Estatuinte, democrática, livre, soberana e exclusiva, com ampla participação de professores, estudantes e funcionários. Tal estatuinte deverá reunir-se exclusivamente para construir o novo Estatuto para a USP, democrático, republicano, que favoreça a humanização do trabalho e das relações sociais, administrativas e acadêmicas na Universidade. Para tanto, é imperativo estabelecer uma separação entre os que exercem o poder na Universidade e aqueles que determinam como ele deverá ser exercido. Defendemos que a estrutura da Universidade seja fundada em organismos democráticos, com participação de representantes de cada categoria do seu corpo. Em particular, chefes de departamento, diretor e reitor devem ser escolhidos por eleições diretas, com a participação de docentes, estudantes e funcionários. Tais escolhas devem se esgotar no âmbito dos departamentos, unidades e Universidade, respectivamente, com o fim das listas tríplices para diretor e reitor.

III. Consideramos que o ensino deva ser crítico e formador, que favoreça, na sua interação com a pesquisa e a extensão, a autonomia do pensar e do fazer, tanto no exercício profissional quanto na ação social; a atividade de ensino deve ser valorizada nos concursos de ingresso e nas avaliações para progressão na carreira.

Entendemos a pesquisa como atividade intelectual de caráter artesanal, devendo ser valorizada como um instrumento de desenvolvimento – científico, tecnológico, cultural, artístico, social e econômico - soberano do país e que não pode ser submetida a indicadores empregados na produção industrial ou no mercado. Essa perspectiva é particularmente importante na formação de Mestres e Doutores e na Pós-Graduação em geral. Alguns pontos centrais são:

  1. destinação orçamentária anual específica para a sustentação autônoma da pesquisa na USP;
  2. nenhum trabalho de pesquisa realizado na Universidade poderá ser submetido a contrato de segredo ou de não divulgação pública;
  3. entendemos que os profissionais de uma mesma área do saber devam se agrupar preferencialmente, mas não exclusivamente em Departamentos, entendidos como unidade mínima de divisão administrativa, definidos em bases puramente acadêmicas e científicas. Acreditamos que estas unidades sejam a instância adequada para tomar as decisões fundamentais de natureza acadêmica e científica, incluindo-se a definição de políticas de desenvolvimento e avaliação;
  4. concebemos a extensão como uma política institucional, baseada na identificação e busca de soluções para problemas sociais relevantes. Defendemos que a Universidade deva estimular a organização de grupos multidisciplinares para estudo e formulação de políticas públicas nas mais diversas áreas, como educação, saúde, transporte público, energia,entre outros, contribuindo, de maneira ativa e sistêmica, para o desenvolvimento social e econômico da sociedade que a financia. Propomos que seja estabelecida destinação orçamentária anual específica para a sustentação dessa atividade;
  5. defendemos que a avaliação do trabalho acadêmico deva ser feita pelos envolvidos no projeto, de forma crítica e pública. Esse procedimento deve ter precedência, para todos os efeitos acadêmicos, sobre qualquer procedimento externo ou centralizado de avaliação.

Tanto na Graduação, quanto na Pós-graduação, na Pesquisa e na Extensão, é central estimular a reflexão acerca de problemas substantivos, naturalmente inter e multidisciplinares, no lugar de priorizar resultados. Esse processo potencializará a criação de grupos inter e multidisciplinares, rompendo barreiras que, frequentemente, têm origem na preservação de “feudos” e esferas de influência e não no interesse do desenvolvimento acadêmico da instituição.

O pós-doutorado tem um papel importante na troca de experiências e na renovação de idéias e perspectivas, sendo central aumentar o fluxo de pós-doutores para a USP, estabelecendo programas espcíficos com essa finalidade.

IV. É importante catalizar na USP a perspectiva de integrar-se desenvolvimento do papel do Brasil na esfera geopolítica, contribuindo para a democratização do acesso e produção do saber e do exercício do poder politico, particularmente na América Latina e Central.

V. Entendemos que a decisão tomada pela USP de não participar do ENADE, tal como proposto, foi acertada. Por outro lado a USP pode, sem dúvida, contribuir para a construção de métodos avaliativos que possibilitem diagnóstico, realimentação positiva e aprimoramento das atividades acadêmicas nas universidades brasileirias, muito especialmente nas instituições privadas.

São Paulo, 16 de outubro de 2009

F. Miraglia

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